A alma do douro em música, os sons da terra e as imagens duras de quem trabalha o vinho, estão representados no espaço cénico que estes artistas transportam para cima do palco nas suas representações. É difícil definir este grupo, trata-se de um projeto musical, com instrumentos artesanais a fazer música contando estórias de gente verdadeira e única que vive e viveu no douro.
Espero que possam perceber nesta entrevista a verdadeira dimensão deste projeto único em Trás-os-Montes e no Alto Douro. Estiveram apenas presentes o Filipe Marado e André Macedo por uma questão de facilidade na conversa.
DTOM: Vamos começar por nos explicar o que é este “projeto músical” com instrumentos de pipas de vinho, exatamente o que é que vocês querem fazer com isto?
SD (Filipe): Muito boa tarde, eu chamo-me Filipe, sou o diretor artístico do projeto desde há 5 anos para cá, se não estou em erro. O “Sons do Douro”, nasceu de um projeto da Fundação Museu do Douro, o “Entre Margens”, um projeto que durante 3 anos juntava representações artísticas em diferentes áreas, no final decidiram pegar em pipas já usadas e transformá-las, adapta-las para instrumentos de precursão. Aquilo que fazemos é trazer a sinergia de vários instrumentos agrícolas, como a pipa, a sachola, os cestos, têm no seu habitual trabalho e trazer, essa relação, para cima do palco, mas agora na forma de música.
DTOM: E vocês com esses instrumentos artesanais, feitos por vocês mesmos, conseguem produzir som audível, conseguem criar músicas próprias?
SD (Filipe): Exatamente. Agora estamos a apresentar o concerto “Estórias II”, são concertos que demoram em média 60, 70 minutos. Temos aliadas às Pipas e Cestas, voz, narrada e cantada, juntamos em alguns momentos uma gaita de foles, para representar também o Douro Superior, guitarra e alguns instrumentos convencionais, mas as personagens principais, e cenicamente percebe-se isso, são as pipas, que nos ajudam a contar estas estórias que se passaram e que se passam no Douro. Falamos de amores, falamos de personagens mitológicas, de histórias que fomos recolhendo em algumas pessoas por aldeias. Vamos tentando recolher o máximo de informação daquilo que são as histórias com “e”, daquilo que é a sua estória, da estória da avó de Macedo ou estória que esta menina de 12 anos está aqui a contar na esplanada. Vamos reunindo estas informações e ficcionando isso para produzir as músicas que resulta no concerto.
DTOM: Vocês conseguem com isso fazer música?
SD (Filipe): É exatamente o propósito e o resultado.
O timbre de cada instrumento e a relação entre eles cria uma textura bastante simpática, é basicamente como se fosse uma orquestra de precursão. Conseguimos apresentar um concerto bastante coerente e o feedback que recebemos dos públicos são extremamente positivos. As pessoas gostam dos nossos espetáculos, vibram bastante connosco, pelo menos eu quando estou em palco, gosto muito de sentir a reação genuína das pessoas.
DTOM: O vosso grupo é quase uma orquestra, quantos elementos são ao todo?
SD (Filipe): É uma pergunta muito bonita, e muito difícil de responder. Porquê? Os “Sons do Douro” é um projeto, não uma banda. Porque todos nós temos carreiras profissionais em diferentes áreas. Temos um leque de bons amigos e de boa gente que se vai juntando em algumas temporadas, que se vai ausentando noutras, que no fundo vão trazendo novas ideias e levando o projeto para a frente.
DTOM: Mais ou menos quantos?
SD (Filipe): De momento temos 11 pessoas a apresentar-se em placo, neste 2019, mas temos uma totalidade perto 21 músicos disponíveis para o projeto.
DTOM: Vocês vão fazer um espetáculo, sala cheia, como é que o público adere a esse som que vocês produzem?
SD (Filipe): As estórias e músicas que temos estão muito bem construídas, estão bem narradas, bem ilustradas. Em alguns concertos fazemos também projeção de imagens, para ilustrar as estórias que estamos a apresentar. Sobre o público? O feedback é muito… muito… muito positivo. É um concerto, não só para se ouvir, é um concerto para participar porque parte do público, em alguns pontos do espetáculo, torna-se também um elemento do grupo, ou seja, são distribuídas frases rítmicas ao público para tocarem em diferentes partes dos temas.
DTOM: Há quanto tempo é que formaram esta banda, digamos, este projeto?
SD (Filipe): Eu estou à frente do projeto, creio que há 5 anos, o projeto nasceu um ano antes. Existe “Sons do Douro” desde 2013.
DTOM: Quantos concertos já fizeram mais ou menos na totalidade?
SD (Filipe): Ui … não tenho número certo … uns 170.
DTOM: Sempre com projetos novos, concertos do género, aqui nas festas ou por fora, como é?
SD (Filipe): Os promotores que nos contratam não são os das “festas”.
DTOM: É para animar?
SD (Filipe): O nosso objetivo não é animar festas sazonais. A maior parte do trabalho que fazemos é em teatros e palcos exteriores sempre relacionados a uma programação cultural onde sintamos que nos enquadrámos.
LK (André): … ou seja, o objetivo dos “Sons do Douro” não é animar o publico, é a partilhar uma estória, é como todas as bandas, como todos os projetos artísticos.
DTOM: Falou numa coisa engraçada, falou em histórias, vocês são um grupo que fala de histórias, histórias do Douro, através dos sons, do teatro, mas há aí um projeto que é esse “897”, como é que vocês encaixam essa ideia de fazer esses filmes, essas viagens no tempo, dentro deste projeto?
SD (Filipe): Dentro da programação que temos, para além de concertos, fazemos ‘Parelhas’, que são residências artísticas com outros músicos e ‘31 horas’, que são temporadas de trabalho com profissionais de diferentes áreas artísticas que resultam em concertos singulares. Mas há 2 anos surgiu uma ideia muito simpática, o ‘897 km de Douro’! Foi algo que começou pensado como uma pequena digressão e foi, ao longo do tempo, ganhando propósito, contexto cultural, social, artístico... Levar o público a assistir a um Douro que ultrapassa aquele que a imprensa e as empresas de turismo vendem. Tentar, pelo menos, fornecer uma prespetiva diferente do Douro. Focarmos pessoas, animais, lugares, cantigas e canções e, claro, relacionarmos o nosso trabalho com tudo isto. Por isso o 897 foi pensado para começar na foz do rio Douro e fazer todo o percurso do rio até encontrar a sua nascente em Duruelo de la Sierra. Foi aqui que começamos a trabalhar com a Look Closer e conhecemos o André Macedo.
Quisemos ilustrar um Douro “uno” em vez de ser um Douro do Porto separado de um Douro do Alto Douro Vinhateiro, mais outro Douro Internacional, mais as imensas regiões por onde passa o Duero em Espanha e juntar todas estas sub-regiões para mostrar o Douro como uma só entidade …
DTOM: Um rio que une esses povos …
SD (Filipe): … que tem 897 km de distância.... é muito km, foi o primeiro projeto que tivemos que resultou num filme documentário, cerca de 45min, e num caderno de viagem.
Ainda não está disponível ao publico, vai ficar em 2020, porque tem sempre 2 anos para concorrer alguns festivais da especialidade, felizmente temos ganho por aí uns prémios com fartura, nunca pensamos que ia ter a projeção a nível internacional que teve, eu pelo menos falo por mim, sou sincero, mas o grande trabalho aqui do André, tem conquistado uns bons prémios para o projeto …
DTOM: O filme com esses 45 minutos, falam de quê? Qual é o enredo?
LK (André): O filme é um retrato dos Sons do Douro, da banda, conta as suas histórias e todo o percurso que fizemos da foz até ao pico de Urbión, a nascente do Douro, levamos uma garrafa de água da foz até à nascente. No documentário temos essa parte romântica de levarmos um bocado de água a fazer o percurso duas vezes além de mostrar o reportório dos “Sons do Douro” e as suas estórias. O documentário foi filmado durante esses 897 km e essa recolha deu para retratar a imagem daquilo que eles quiseram contar. Temos muita reação do público em toda… em Espanha principalmente.
DTOM: Levaram os instrumentos com vocês?
LK (André): Sim!
SD (Filipe): Fomos fazendo concertos por vários locais.
LK (André): Basicamente, pousaram as pipas em praças e as pessoas começavam a …
DTOM: Depois você filmava isso André?
LK (André): Sim …
DTOM: As músicas e reunir o filme, não é?
LK (André): Sim …
SD (Filipe): Trabalhamos também, peço desculpa por interromper, encontramos alguns músicos ao longo do caminho. O que nos caiu muito bem...
LK (André): É também uma partilha musical!
SD (Filipe): … tocamos com eles, realizamos um concerto com eles, Jambrina & Madrid, foram ótimos parceiros, eles tocaram músicas nossas, nós tocamos músicas deles, fizemos arranjos de parte a parte e apresentamos isso na principal praça de Zamora. Guardo grandes e felizes momentos dessa jornada.
DTOM: No fundo vocês já iam com as vossas músicas prontas para tocar, mas nesse processo há sempre música nova que tivesse surgido do facto de ter estado naquele local?
SD (Filipe): No 897 não posso dizer que houve música nova, houve novos conteúdos para músicas que já haviam…
LK (André): Exatamente!
SD (Filipe): … houve novos conteúdos que se juntaram ao puzzle daquilo que acontecia, que é nesse aspeto o propósito diferente que nós quisemos agora com este 767.
DTOM: E esta ideia, esta ideia de subir o Douro, quer dizer, deu-vos outro ânimo para outro projeto diferente, que se chama 767?
SD (Filipe): …767 miles to Bristol, certo.
DTOM: No fundo é uma repetição do anterior, mas agora para o estrangeiro?
SD (Filipe): No primeiro começamos no Porto e fomos para a nascente. Agora começamos também no Porto mas vamos para a frente, para o oceano. Partimos da seguinte tese, do Porto já foram muitas pipas para Bristol que levavam na altura vinho, e agora passados “x” anos, as pipas vão novamente para lá, mas agora não vão levar vinho, vão levar música. E como é que o vinho se ligou com as pessoas de lá? Qual foi a relação criada entre as pessoas e o vinho português? Misturavam-lhe alguma bebida deles? Mudando o conteúdo das mesmas pipas esperamos apresentar uma demonstração dessas relações.
Todos os concertos que fizemos em Bristol, e nas redondezas, foram apresentações muito curtas para sinalizar a nossa presença, aquilo que nós quisemos foi ouvir a música de lá, porque Bristol é a nível mundial um epicentro musical. Com diferentes géneros, diferentes culturas e nós tínhamos vontade de aprender com … com este borbulhar de novas informações.
DTOM: No fundo vai ser um outro filme para concorrer?
LK (André): Sim! Exatamente.
SD (Filipe): Sim … com o mesmo personagem, mas com uma história, um estilo completamente diferente.
LK (André): … do primeiro, sim!
DTOM: Isto implica duas coisas, uma logística para os instrumentos?
SD (Filipe): Sim.
DTOM: Quantos é que levam?
SD (Filipe): Levamos instrumentos para a toda a gente. Levamos …
DTOM: Mas levam pipas, quantas pipas?
SD (Filipe): ... 6 pipas pequenas (250 litros), 2 pipas grandes (550 litros), 2 cestos, 6 sacholas, 1 bandolim e 1 guitarra.
DTOM: Foi tudo dentro de uma carrinha, do carro, de barco, como é que foi?
LK (André): Os instrumentos e três colegas seguiram por barco e o resto da equipa foi de avião.
DTOM: Isso implica duas logísticas, uma para os instrumentos e outra o filme, o vídeo é filme, é cinema… leva uma pessoa também para o som, outra para o vídeo. Como é feita essa parte?
LK (André): Veio uma pessoa comigo para tratar da produção e também da assistência e a parte do filme e áudio fui eu que fiz.
A Sara Vitoria, que é a minha colega, ajudou na parte da produção, organizar horários e organizar … tudo que era a organizar estes homens todos (risos).
DTOM: Já têm um outro projeto, o mil e tal?
SD (Filipe): Se já temos aqui outro na cabecinha?
(Risos)
DTOM: Sim ?! sério… contem tudo.
SD (Filipe): É que felizmente … não! Infelizmente. Nem sei se é felizmente ou infelizmente, mal acabamos um, começamos logo a pensar como é que era bom continuar isto, porque … e volto a dizer, os prémios que o primeiro filme nos deu, inspiraram-nos muito, deram-nos muita força vontade para continuar a produzir mais. Para já são meros esboços.
DTOM: Esta malta que se junta, vocês são todos daqui da região, são todos transmontanos?
LK (André): Sim.
SD (Filipe): Sim! A única premissa para entrar no projeto é ter ligações emocionais com esta terra.
DTOM: Trás-os-Montes e o Douro?
SD (Filipe): Exatamente. Porque não fazemos isto de uma forma estritamente profissional, há também o empenho em levar a mensagem, e acho que essa componente tem de ser mais humana, não tanto performativa.
LK (André): Pelo menos foi o que eu senti do projeto, tanto no 897 como no 767.
DTOM: O que fizeram foi este ano, há pouco tempo?
LK (André): Chegamos há duas semanas.
DTOM: Quanto tempo é que demorou?
SD (Filipe): Dez dias.
DTOM: Dez dias em Bristol?
DTOM: Tenho amigos transmontanos em Bristol, vou perguntar se esteve no concerto.
SD (Filipe): Pronto … veja lá se o feedback é exatamente o que estamos a dizer, a ver se o concerto correu bem! Independentemente de ser ou não transmontano, o que eu senti, e veio da interação do público é … não tem linguagem, ou seja, não tem … e mostra muito o nosso Douro musicalmente.
DTOM: Você está a dizer algo muito interessante é que o Douro é uma das marcas, há gente não tem noção disto, mas o Douro é uma das marcas de cariz mundial, das mais importantes que Portugal tem.
Quando vocês são os “Sons do Douro” transmite essa ideia, vocês têm logo um público brutal … Mas também há aqui nesta região e no Douro uma sugestão para uma viagem que é a viagem de circunavegação que fez o Fernão de Magalhães … Comemora-se os 500 anos dessa viagem, e esse sim era um projeto muito interessante, querem pensar nisso?
SD (Filipe): Isso ficava uma bomba …
DTOM: Podiam dar concertos onde Fernão de Magalhães atracou.
SD (Filipe): Sim… sim!
DTOM: Isso era brutal.
LK (André): Pois era, e vai de acordo aquilo que nós temos feito até agora.
SD (Filipe): O propósito é o mesmo …
LK (André): Essa é uma boa onda, eu gosto disso.
DTOM: Vocês vão dando concertos, já têm concertos marcados para este ano?
SD (Filipe): Sim, felizmente já demos mais concertos este ano que no ano passado todo, e as propostas ainda continuam a cair.
DTOM: Isso quando vocês montam um concerto é uma ideia nova de cada vez que vão fazer um concerto ou repetem-se?
SD (Filipe): O “Estórias” é um concerto que é apresentado da mesma forma. Tudo aquilo que nasce de outras atividades é diferente.
Agora também tivemos aqui um bom tempo a preparar a ida a Bristol e ainda estamos sinceramente um bocadinho na fase de ressaca (risos).
DTOM: Vocês têm depois discos gravados?
LK (André): Não temos discos gravados.
DTOM: Tem músicas originais?
SD (Filipe): Todas as músicas são originais.
DTOM: Como querem perpetuar a vossa música, só através de filmes?
SD (Filipe): Youtube.
DTOM: Então já existe algo gravado em vídeo?
SD (Filipe): Sim, o André já …
DTOM: Mas tem vídeos gravados, de cada uma das músicas ou concerto complestos?
SD (Filipe): Temos vídeos gravados de algumas músicas. Mas, na perspetiva de que um momento efémero não é assim tão mau...
DTOM: Isso é diferente.
SD (Filipe): Com a ideia de, vamos ver um concerto que vai ser uma coisa única. Vou ver aquilo pela primeira vez. As músicas mais mediáticas estão na internet, mas não é o nosso objetivo espalhar para os media tudo aquilo que é o nosso trabalho musical, porque queremos que quem for a um concerto, pode conhecer 2 ou 3 temas, mas tenha sempre uma sensação de novidade. É um momento que não pode ser gravado, se calhar, se fossemos um projeto de música com mais instrumentos mais convencionais, se calhar, até faria sentido, mas eu não vejo “Sons do Douro” desse forma tão mediática, acho que é uma coisa para ser vivida na hora.
DTOM: Com isso também consegue dar-me uma ideia dos prémios que já ganhou com o primeiro filme?
LK (André): Fomos seleção oficial no Rome Independent Prisma Awards em Itália, no Inshort Film Festival, Niger, no Nukhu Fest, Estados Unidos, First Time Filmmaker Sessions em Inglaterra, no ARFF Barcelona - Internacional Awards, no LGBTQ Short Film Festival Estados Unidos, no Rural Film Fest em Espanha, no 23rd Avanca em Portugal e no Social World Film Festival em Itália. Fomos finalistas no Beton Park Film Festival nos Estados Unidos, Capital Filmmakers Festival em Portugal, Best Miró Trailer/Teaser - Barcelona Planet Film Festival em Espanha, e Prémio Melhor Projeto Douro Criativo em Portugal
DTOM: Muito obrigado, prometo ir ver o próximo concerto do Sons do Douro, espero novidades dos vossos projetos.
SD: Obrigado nós pela oportunidade.
Entrevista conduzida por António Pereira
Elementos do projeto
André Moutinho
Helder Mota
António Ribeiro
Daniel Santos
David Rodrigues
Filipe Marado
Maik Silva
Pedro Cruz
Rangel Coutinho
Ricardo Ribeiro
André Macedo é o Realizador da empresa LookCloser
O primeiro documentário foi premiado em:
Oficial Selection
- Rome Independent Prisma Awards (italia)
- Inshort Film Festival (Niger)
- Nukhu Fest (EUA)
- First Time Filmmaker sessions (ING)
- ARFF Barcelona - Internacional Awards (ESP9
- LGBTQ Short Film Festival (EUA)
-Rural Film Fest (ESP)
-23rd Avanca (PT)
-Social World Film Festival (ITL)
Finalista
- Beton Park Film Festival (EUA)
- Capital Filmmakers Festival (PT)
- Best Miró Trailer/Teaser - Barcelona Planet Film Festival (ESP)
- Prémio Melhor Projeto Douro Criativo (PT)
http://www.sonsdodouro.com/897/
trailer 897
https://www.youtube.com/watch?v=m-kzP1FmiPU
live session
https://www.youtube.com/watch?v=avc72Mw6T1c
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