A principal consequência da classificação do Douro Património Mundial da UNESCO foi a “preservação do bem”, afirmou o coordenador da candidatura que se mostrou preocupado com a “desertificação progressiva” e a “sustentabilidade económica” da região.

Fernando Bianchi de Aguiar coordenou o processo de inscrição do Alto Douro Vinhateiro (ADV) na lista do Património Mundial da UNESCO, confirmada a 14 de dezembro de 2001.

Duas décadas depois, o professor universitário e ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Rural afirmou, em entrevista à agência Lusa, que “muitos” objetivos “foram conseguidos” e que o mais importante da classificação foi a noção da necessidade de “preservação da paisagem”. “Uma noção que se foi incutindo progressivamente”, salientou Fernando Bianchi de Aguiar.

“O aspeto que eu diria menos conseguido foi não se ter conseguido inverter a perda de população, que é um sinal de que o retorno económico para as populações é pequeno. Ou seja, não se criaram condições para que as pessoas se fixem no Douro e encontrem aqui um trabalho digno e isso é, evidentemente, um desapontamento que sentimos”, afirmou o engenheiro agrónomo.

O Douro tem cerca de 190 mil habitantes, menos 30 mil do que há 20 anos.

Para Bianchi de Aguiar, com o ADV “a visibilidade nacional e internacional da região cresceu”, e fez-se justiça em relação aos durienses que construíram e mantêm a paisagem porque “o vinho do Porto leva ao mundo só o nome da cidade do Porto”.

“Acho que a inscrição do ADV na lista do Património Mundial teve o grande mérito de trazer para o conhecimento público a importância da região”, afirmou.

O ADV constitui o contínuo mais representativo e mais bem conservado da Região Demarcada do Douro, a mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo (1756). A área classificada compreende 24.600 hectares, cerca de um décimo da RDD (250.000 hectares).

Com a candidatura foi necessário elaborar um Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território do Alto Douro Vinhateiro (PIOT-ADV), atualmente monitorizado pela Missão Douro, criada no seio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N).

“Foi uma peça fundamental que desempenhou o papel de um plano de gestão e que nos deve tranquilizar em relação ao que são os nossos compromissos perante a UNESCO”, salientou.

O ADV está inscrito como paisagem cultural evolutiva e viva. “A preocupação foi o reconhecimento como paisagem cultural, mas evolutiva e viva, ou seja, que permitisse acolher a evolução das formas de armação do terreno mecanizáveis e a modernização da atividade vitícola”, frisou.

O objetivo foi “não congelar as atividades económicas” que são “o principal garante da sustentabilidade desta paisagem”, apontando os vinhos (Porto e Douro), o azeite e a amêndoa como as culturas com mais “peso económico” no território.

“A paisagem só se mantém porque há uma atividade que vive dela”, afirmou.

Bianchi de Aguiar defendeu ser necessária “uma melhor repartição da riqueza” para que os pequenos produtores não abandonem as suas parcelas.

Nestas duas décadas, disse, “houve um decréscimo acentuado” na quantidade de vinho do Porto comercializado, que passou dos cerca de 95 milhões de litros para os 70 milhões de litros.

O responsável gostaria que os portugueses vissem neste vinho um “produto de celebração como os espumantes” e, desta forma, reconhecessem o “trabalho excecional feito pelos durienses”, e enalteceu os esforços que têm sido feitos na procura de novos consumidores.

Questionado sobre o momento de maior risco que o Douro viveu em 20 anos, afirmou que a “o processo da construção da barragem de Foz Tua foi mal conduzido” pois deveria ter sido feito interagindo mais cedo com a UNESCO.

“Reconheço a necessidade de se fazer barragens de retenção, mas foi uma pena ter-se encontrado a melhor implantação mesmo na fronteira do Património Mundial”, apontou.

Neste período foram eliminadas muitas das lixeiras a céu aberto e também outras dissonâncias na paisagem, como a antiga fábrica da Milnorte, junto à barragem de Bagaúste, embora outras intrusões na paisagem não tenham ainda sido resolvidas. Houve também uma grande preocupação com a recuperação dos muros em pedra posta de xisto, que sustentam os socalcos e são considerados o elemento mais marcantes na paisagem classificada.

Os viticultores cumpriram a sua parte, mas, segundo Bianchi de Aguiar, no início, o mesmo exemplo não foi seguido pela administração pública das estradas e ferrovia, que em muitas reparações de muros de sustentação recorreram a “soluções mais baratas”, como o betão.

“Hoje notam-se melhorias substanciais e as reparações têm sido mais cuidadas”, apontou.

A iniciativa e liderança da candidatura foi assumida pela Fundação Rei Afonso Henriques (FRAH), uma instituição luso-espanhola que financiou todo o processo, e envolveu professores e investigadores das universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que coordenou, Porto e Aveiro.

Paula Lima, agência Lusa, Foto: DR

 



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