As estatísticas oficiais dizem que o acidente de segunda-feira no Tua foi o primeiro mortal nesta linha mas há quase um século o ilustre Bragançano Abílio Beça acabou por ser vítima do comboio por que tanto lutou.
Nasceu em Vinhais, no ano em que se inaugurou o caminho-de-ferro em Portugal (1856), empenhou todo a sua influência política para fazer chegar a Linha do Tua de Mirandela até Bragança e tombou nos carris, trucidado por uma locomotiva a carvão.
Na memória colectiva da aldeia de Salsas, próxima de Bragança, permanece a história do dia 27 de Abril de 1910, em que Abílio Beça, que viajava de Lisboa para Bragança, saiu do comboio para cumprimentar a população, aproveitando a paragem na estação local.
«Era conhecido de toda a gente, pois enquanto deputado, governador civil, entre outras funções, moveu sempre toda a sua influência para bem da região», contou à Lusa Filipe Caldas, presidente da Junta de Freguesia de Salsas.
A autarquia homenageou-o, em Dezembro com um busto e a réplica de uma locomotiva a carvão, por altura dos 100 anos da chegada da Linha do Tua a Bragança.
Os monumentos perpetuam o simbolismo do início daquela noite de 1910, em que Abílio Beça correu para o comboio já em movimento, ficou com o sobretudo preso e foi trucidado pela locomotiva a carvão.
O episódio «horrorizou os presentes», segundo trabalhos escritos sobre o sucedido, sobretudo pela «ironia do destino» de ver morrer debaixo do comboio o principal impulsionador da maior extensão da Linha do Tua, entre Mirandela e Bragança.
A Linha ficou concluída entre o Tua e Mirandela, em 1887, e só chegou a Bragança 19 anos depois, com uma extensão de 134 quilómetros.
O troço da Linha por que Abílio Beça lutou e onde morreu, aos 54 anos, foi desactivado em 1992, restando apenas cerca de 60 quilómetros, entre Mirandela e o Tua.
Próximo do final da Linha, descarrilou segunda-feira uma composição no primeiro acidente do género de que há memória nesta ferrovia, fazendo um morto, dois feridos e dois desaparecidos.
Abílio Beça faleceu nos carris quatro anos apÎs a inauguração até Bragança e de muitas viagens para Lisboa, onde conseguiu junto do Governo do Reino, há um século, mais de cinquenta escolas para a região, entre outros serviços.
Foi também o impulsionador do acordo com Espanha para a construção da agora «velhinha» ponte internacional de Quintanilha, que ainda hoje faz a ligação da fronteira, à espera de uma nova ponte em construção, mais de duas décadas depois de anunciada.
«Foi um político que, embora estando em Lisboa, nunca se esqueceu da região», sublinhou o autarca da Freguesia de Salsas, que lamenta o abandono a que está votado o património da linha nas aldeias onde foi desactivada.
Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, Abílio Beça é também homenageado em Bragança com o seu nome numa das ruas da zona histórica da cidade.