Tânia Vieira começa a chorar quando lhe perguntamos se prefere Portugal ou França. Tem 30 anos de idade e nasceu em França. Os pais são portugueses de Espite, concelho de Ourém. Durante a infância e adolescência o português e Portugal, sempre estiveram presentes.
A mãe, Fátima dos Santos, explica que o coração da filha se divide entre os dois países. Recomposta da emoção que a traiu em público, Tânia explica-se. “Sempre vivi em França. Quando a gente vem a Portugal apetece-me ficar mas tenho toda a minha vida lá. Aqui de Espite lembro-me das brincadeiras de férias com os meus primos. É um pouco da minha infância que aqui está. Os dois países são muito diferentes. Morar cá parece ser mais saudável, mais verde e há mais largueza porque aqui é campo… Lá é tudo escuro, não há verdura, é uma cidade. O convívio aqui também é diferente”. As visitas à terra eram normalmente uma vez por ano, em Agosto. Agora alargaram-se a outras alturas do ano. Natal, festas, aniversários...
O caso de Tânia é muito particular. Os outros filhos de emigrantes com quem O MIRANTE falou gostam de vir passar férias a Espite mas irão continuar a viver em França. Falam português com dificuldade, usando um vocabulário muito limitado e nota-se bem o sotaque. Nicolas Marques, 22 anos, nasceu em França e lá tem vivido toda a sua vida.
Este ano trouxe a Espite alguns amigos franceses que se mostram maravilhados com a aldeia do interior de Ourém. “Não vinha viver para cá. Espite são férias e não todo o ano. Aqui há menos gente e a economia de Portugal também não é a melhor. Para trabalhar e viver é melhor a França. Os meus pais chegaram a pensar no regresso mas tinham lá o trabalho. E eu também não queria vir”, afirma.
A terra dos pais é para ele um destino de férias e pouco mais. Vem para reencontrar alguns amigos e família. Habituado em França a um ambiente urbano, reconhece no entanto que na aldeia portuguesa “respira-se melhor”.
Apesar de falar tanto o português como o francês, refere que nem sempre é fácil falar a língua dos pais. Estes chegaram a ponderar regressar a Portugal, mas os trabalho manteve-os em França. “Eu também não queria vir”, confessa, defendendo que toda a sua vida está lá fora.
Discurso semelhante tem Ivete Trezentos, 42 anos, que várias vezes se atrapalha com a língua portuguesa. Nasceu em França mas veio para Portugal com quatro anos. Aos 12 anos os pais voltaram a emigrar. Ela não se importou. Confessa que tinha o desejo de regressar a França, onde estava a família e onde tinha muitos amigos. “Daquela infância em Espite só me lembro da escola, mas não muito. Quando regressámos habituei-me logo a França. E nessa altura nem sequer sabia falar francês”.
Todos os anos, pelo mês de Agosto, visita Espite mas foi em França que fez a sua vida, constituiu família. Ao contrário de muitos emigrantes nem sequer pensou em vir casar a Portugal. “Eu tinha aquela ideia de que em França se vivia melhor. Apesar de muitas vezes se dizer o contrário, as pessoas lá são diferentes. Lá convivemos mais com a família. Penso que agora as pessoas daqui são mais individualistas”. Claro que há aspectos menos bons mas mesmo assim a preferência mantém-se. “Lá trabalha-se mais; há mais stress e é mais cansativo, mas prefiro a França”.
Monografia e estátua prestam homenagem a emigrantes de Espite
Na tarde de sábado, dia 20, a freguesia de Espite inaugurou uma estátua de homenagem aos emigrantes e lançou uma monografia sobre a freguesia, da autoria de um habitante local, Jacinto Gonçalves. Mais uma data no programa das celebrações dos 800 anos desta freguesia ouriense.
Na ocasião esteve presente o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário. O discurso mais inflamado partiu do presidente da assembleia de freguesia, Emídio Major. Lembrando o quanto Espite foi marcada pela saída das suas gentes ao longo dos anos, o autarca referiu que algumas das crianças da freguesia já vão iniciar o próximo ano lectivo fora da sua terra, resultado de uma nova vaga de emigração. “O povo desta aldeia não pede privilégios. Mas não deixem os nossos idosos e os nossos doentes irem para um hospital mais longe.
Deixem as crianças frequentar uma escola mais próxima. Que a palavra Distrito não seja um impedimento constante à vida do dia-a-dia”. Emídio Major salientou que não estava a dar nenhum “recado”. “Mas são estas pequenas coisas que fazem as pessoas irem embora. Por exemplo, como és de Espite vais para o Hospital de Torres Novas ou para a Direcção Geral de Viação de Santarém”, comentou, numa referência à proximidade com Leiria.
O presidente do município de Ourém, Paulo Fonseca, referiu que gostava que a homenagem aos emigrantes fosse uma “evocação do empreendedorismo das gentes da terra”. O secretário de Estado, José Cesário afirmou que “cada elemento das nossas comunidades é um embaixador de Portugal” e pode ajudar a atrair investimento para o país.
A Monografia de Espite é um extenso trabalho de mais de 800 páginas que descreve toda a história da localidade desde a Idade da Pedra. O seu autor, Jacinto Gonçalves explicou que a iniciou em 2005. Sublinhou que ninguém lhe encomendou o trabalho e que a escreveu por amor à terra. “Não se ama o que não se conhece. Para amar a nossa terra é preciso conhecer a sua história”, referiu.
A estátua foi apresentada pelo presidente da Junta de Freguesia. “Desafiámos o João a apresentar algo de polémico e original”, explicou Filipe Baptista. O conjunto escultórico é composto por duas pedras suspensas por um tronco e envoltas em raízes, onde se lêem nomes de países. Uma obra de quatro toneladas. João Marques, natural da Barrocaria, freguesia do Olival, Ourém, tem 31 anos e chegou a trabalhar em Espite como carteiro, durante um ano. Disse a O MIRANTE que a peça não se distancia muito, em termos estéticos, do tipo de obras que costuma elaborar. Um trabalho de mais de três meses, em pedra e bronze, a que se dedicou por inteiro. A pedra é da região, das vinhas da ribeira da Freiria, explicou. “Influencio-me muito no passado e nas antigas civilizações, logo este trabalho enquadra-se na homenagem de hoje”, referiu. Este foi o seu primeiro trabalho de grande dimensão e por ser para Espite sentiu mais “responsabilidade”. João Marques nasceu em França, mas com seis anos veio morar para Portugal. Estudou Escultura na Escola Universitária de Artes de Coimbra. Desde 2002 que expõe um pouco por todo o país.