A entrevista que Sequeira Costa deu a este diário é elucidativa do grau de centralização cultural que atrofia este país. Sob a capa de que "na província não gostam de concertos eruditos", Lisboa usufrui do grande e do melhor que há em todo o mundo, enquanto que no resto do país se continua a viver na "idade das sombras" quando a maior parte das vezes nem sombras lá chegam dos eventos que se passam em Lisboa e arredores.
Lisboa tem a "Mina de Salomão",a expressão é de Sequeira Costa, para a cultura e que é a Fundação Calouste Gulbenkian. Só esta Fundação, entre a temporada regular, onde podemos escutar os grandes pianistas, os grandes solistas, as grandes orquestras que vêem de todo o mundo pagos ao preço do seu peso em ouro e os festivais que promove directamente (Jazz em Agosto, Acarte, Música Contemporânea, Música Antiga...) e os que patrocina (Festival de Sintra), garantiria só por si uma vida cultural digna das maiores metrópoles mundiais.
Mas como se não bastasse, outras instituições oficiais e particulares vêem acrescentar mais eventos à cidade de Lisboa e periferias, que deveriam ser noutras cidades, pois é sabido que em relação aos eventos da Fundação Calouste Gulbenkian (que é privada e ninguém pode, pelo menos teóricamente, obrigar a uma programação descentralizada) os eventos das outras instituições, aceitem-no ou não, ficam na sombra, pois não atingem ténuamente o grau de elevação e qualidade das programações da Gulbenkian.
O Centro Cultural de Belém , tal como seria de esperar, não consegue equiparar à sua grandiosidade arquitectónica uma grandiosidade das programações regulares, exceptuando-se a "Festa da Música". No entanto a Festa da Música deveria ser concretizada fora de Lisboa, no Norte do país, pois a Fundação Gulbenkian, encarrega-se de trazer, durante a temporada regular, o que de melhor acontece durante a Festa da Música. E para "prospeccionar" não é necessário repetir o evento françês em Lisboa pois os directores da Fundação, de qualquer das formas deslocam-se aos festivais internacionais onde ficam a saber quias os solistas e músicos na "berra" e onde os contratam para a temporada da fundação. Por isso, a Festa da Música, repetimo-lo não deve continuar a ser realizada em Lisboa, apesar do sucesso pois os bilhetes são baratos.
Existe portanto uma sobre-programação nos palcos lisboetas em deterimento da possibilidade de programações com alguma regularidade nos resto do país. Tal é inaceitável e Sequeira Costa tem uma posição absolutamente crítica em relação a este estado de coisas, fustigando por arrasto os dirigentes da Fundação Gulbenkian. No entanto, em nosso entender, o problema não reside só nem essencialmente nalgum provincianismo centralizador que exista na mentalidade dos dirigentes daquela fundação a quem o país muito deve e que existe graças à impagável bondade que Calouste Gulbenkian revelou ao deixar os seus milhões para desenvolver a cultura em Portugal. O problema é político e prende-se com a incapacidade e falta de coragem dos responsáveis governamentais pela cultura, em romperem com os círculos restritos, centralizadores e arrogantes dominados por alguma instituições e "pessoas da cultura" que ocupam cargos públicos ou "para-públicos" com elevadas mordomias e privilégios na praça lisboeta. E qual é o resultado? Os portugueses não passam da primeira eliminatória nos concursos internacionais. Alunos que sairam dos conservatórios e escolas de música portuguesas com elevadas classificações, chegam "ao estrangeiro" e nem sequer passam nas provas de admissão ás academias e conservatórios onde pretendem prosseguir estudos. A nível da criatividade, versus composição musical, vemos sempre os mesmos ou parecidos a levar os subsídios e as encomendas de obras inéditas. Não temos nada contra isso. Se manifestam indiscutível genialidade na sua obra, não temos nada contra isso! O problema é que a obra dos compositores portugueses nem consegue, apesar dos apoios que alguns recebem, afirmar-se dentro do país e também não consegue afirmar-se internacionalmente. Não cremos que seja pelo simples facto de serem portugueses, pois turcos, gregos, polacos, espanhóis, etc, conseguem impÎr a sua arte e também vêem de países ou com carências económicas ou sem grandes tradições a este nível ou as duas simultâneamente.
A nével da direcção de orquestra nem vale a pena falar porque o que se passa neste país a esse nível é sureal e a única forma de colmatar o problema só pode ser, agora e durante as próximas décadas, trazer bons maestros estrangeiros. Bons e não remediados. E conseguir que eles se mantenham por cá...
O centralismo absurdo da "grande cultura" em Lisboa não deu frutos e privou o resto do país de acompanhar a grande "cena internacional". Está na altura de transformar esta situação. Se a Fundação Gulbenkian se dispuser, como diz Sequeira Costa, a trazer os músicos e fazê-los dar concertos em 7 ou 8 cidades, tanto melhor. Mas o problema é um problema de fundo , político e governamental. tem de ser o gaverno a descentralizar os acontecimentos promovidos pelas instituições que dele dependem. Tem de ser o governo a elevar a qualidade do ensino musical que passa evidentemente pelo elevar da qualidade e da exigência no ensino básico no ensino da música e em todas as disciplinas e na própria disciplina nos comportamentos que os alunos portugueses não manifestam e já nem os pais sabem o que é. O actual Ministro reconhece que existem problemas no ensino básico e o pianista Sequeira Costa referiu no seu discurso de encerramento do Concurso Internacional Vianna da Motta , que tudo passa pela exigência de qualidade a partir do ensino básico.
Não é o facto de os portugueses fazerem más figuras hoje nos concursos internacionais de música, o que está em causa. O Grande Problema é a credibilidade e a viabilidade do país no contexto europeu, no médio e longo prazo e a todos os níveis, desde o artístico ao económico, passando pelas aptidões linguísticas e comunicacionais. Contexto esse que é ,como todos sabemos, um contexto de exigências cada vez mais apuradas e de capacitações cognitivas e intelectuais sólidas mas flexíveis e heterógeneas.
AT
Foto cedida pela organização do Concurso Internacional Viana da Mota