No debate na Assembleia da República sobre o negócio da venda da concessão das barragens da EDP à francesa Engie, o deputado pelo distrito de Bragança Adão Silva disse: "Hoje desconfiamos que o negócio pode ter sido devidamente articulado, desde o início e ao mais alto nível, entre o Governo e a EDP, para esta não pagar impostos de milhões"
O PSD disse hoje desconfiar de que o negócio da venda das barragens pode ter sido articulado “desde o início e ao mais alto nível entre o Governo e a EDP” para que a empresa não pagasse impostos.
Numa declaração política no parlamento, Adão Silva fez duras críticas ao ministro do Ambiente, a quem acusou de estar ao lado dos ‘lobbies’, recorrendo ao título do livro de Aquilino Ribeiro “Quando os lobos uivam”.
“Quando os ‘lobbies’ uivam, o senhor ministro do Ambiente não se sobressalta. O ministro uiva com eles (…) O ministro Matos Fernandes e a sua equipa uivam com os ‘lobbies’ do lítio, do hidrogénio e da EDP. A mesma luta, o mesmo uivo! Um uivo de alcateia”, criticou o líder parlamentar do PSD.
Adão Silva resumiu os principais momentos do que apelidou ser “o escândalo resultante do processo da venda de seis barragens de Trás-os-Montes” e “uma ferida aberta na nossa democracia”.
“Em 25 de janeiro de 2020, logo que o propósito de venda se tornou público, através do Projeto de Resolução 198/, de que sou primeiro subscritor, recomendámos ao Governo que envolvesse os autarcas locais no processo da venda. O Governo fez orelhas moucas”, recapitulou o líder da bancada social-democrata.
“Em fevereiro do ano passado, quando, na Lei do Orçamento do Estado para 2020, o Governo modificou o Estatuto dos Benefícios Fiscais, sem qualquer explicação, ninguém desconfiou. Hoje, sim. Hoje desconfiamos que o negócio pode ter sido devidamente articulado, desde o início e ao mais alto nível, entre o Governo e a EDP, para esta não pagar impostos de milhões, dizemos nós, de uma venda que valeu milhares de milhões, dizem eles. Nós perguntámos e o Ministro das Finanças deu explicações vagas e incertas”, afirmou.
Adão Silva voltou a acusar Matos Fernandes de ter ignorado os alertas para a possibilidade da venda de seis barragens de Trás-os-Montes, por parte da EDP a um consórcio liderado pela Engie, acontecer sem pagamento de impostos. E mais, acusou o ministro de “defender os interesses fiscais da EDP”, quando este disse, “tão solícito”, que não havia lugar ao pagamento de impostos.
-“Desde então”, acrescentou Adão Silva, “as denúncias de suspeição, de falta de verdade e de opacidade não têm parado”, acusando ainda o executivo de arbitrariedade. “Arbitrariedade que tem sido patente, à medida que se desenterra, a custo, os enredos do negócio. Arbitrariedade que recorreu à manipulação mais grosseira das instâncias do Estado, que tinham de decidir, por exemplo, a Autoridade Tributária e a Agência Portuguesa do Ambiente”, afirmou.
Adão Silva sublinhou, porém, que o ministro do Ambiente “mudou”, ao dizer que “afinal a EDP tinha de pagar impostos” e que era “inadmissível” que o negócio não pagasse os impostos devidos.
“O senhor ministro caiu do cavalo a caminho de Mirando do Douro?”, ironizou, acusando o governante de ter dado uma “cambalhota” sobre o tema.
Na resposta, o deputado do PS João Paulo Correia considerou que não existe qualquer “informação ou documento” que permita ao líder parlamentar do PSD fazer “o ataque muito forte” que fez ao ministro no Ambiente.
“Muito de acordo quando consideramos que o negócio entre a EDP e a Engie foi muito complexo e no mínimo criativo, e reconhecemos que só recorre a esse modelo quem tem um objetivo muito específico”, admitiu o deputado socialista.
No entanto, João Paulo Correia frisou que terá de ser a Autoridade Tributária a determinar se o objetivo era o “planeamento fiscal agressivo ou abusivo”, defendendo que, se assim foi, “a EDP tem de pagar o que deve”.
Adão Silva registou que o PS tenha recorrido ao mesmo “eufemismo” utilizado pelo primeiro-ministro, António Costa, quando se referiu ao modelo de negócio como criativo. “O que o primeiro-ministro queria dizer é que isto era um negócio de trafulhas”, considerou.
Pelo BE, a deputada Mariana Mortágua considerou que ”às vezes o que parece é”. “O que parece é que o Governo se esforçou para que a EDP fizesse este negócio sem dificuldades e esforços acrescidos. Podemos talvez chamar-lhe uma coligação negativa entre EDP e Governo”, considerou.
A deputada questionou o PSD se estaria disponível para apoiar uma norma que esclareça que, quando as barragens pertencem ao domínio privado, devem pagar IMI nos municípios onde se integram, com Adão Silva a não fechar a porta a tal alteração.
Já o PCP, pelo deputado Duarte Alves, considerou que a origem do problema está na saída das barragens do domínio público e sublinhou que o PSD votou, no passado, uma iniciativa comunista para impedir este negócio.
Na mesma linha, José Luís Ferreira, dos Verdes, considerou “absolutamente inadmissível” que um negócio que envolve 2,2 mil milhões de euros não esteja sujeito a impostos.
O porta-voz do PAN, André Silva, recorreu a uma metáfora original para enquadrar o tema. “Se o avisassem que daqui a três ou quatro horas iam assaltar a sua casa, o que é que o senhor faria? Chamava a polícia para evitar o assalto ou deixava assaltar e depois participava às autoridades?”, perguntou, para concluir que o Governo optou pela segunda hipótese neste negócio.
Finalmente, o deputado do CDS-PP João Gonçalves Pereira defendeu que é preciso aguardar pela avaliação da AT “se há impostos devidos ou indevidos”, afirmando que o seu partido não faz, nesta matéria, juízos de valor e tem uma posição “institucionalista”.