Os agricultores do Planalto Mirandês mostram-se “muito apreensivos” face ao futuro das suas explorações agrícola e pecuárias devido à “seca severa” que se faz sentir, havendo quem fale em abandonar a produção de gado por falta de alimento.
A Lusa passou pelos concelhos de Mogadouro, Miranda do Douro e Vimioso, no distrito de Bragança, e ouviu produtores pecuários, agricultores e viticultores, sendo o desabafo praticamente comum a todos eles: a terra está seca, não há pastos e a água começa a escassear nos principais pontos de abastecimento agrícola.
“Estou a pensar em abandonar a minha exploração pecuária onde tenho ovelhas para a produção do leite. Não há pastos e os animais têm de comer as reservas que estavam destinadas para o início da primavera. Por outro lado, as rações e as forragens estão muito caras. Não há rendimento”, explicou à Lusa Cristiano Pires, que trabalhava na terra em Castelo Branco, no concelho de Mogadouro.
Este jovem agricultor preparava, igualmente, sete hectares de terra para a plantação de vinha e apontou o dedo aos preços elevados dos combustíveis, “já que com a terra seca há mais gastos de gasóleo e o desgaste das alfaias agrícolas é muito maior, que encarece os fatores de produção”.
“A terra está tão seca que não se consegue enterrar as alfaias para movimentação de terras. Estou a fazer uma surriba e, como se pode verificar, a terra sai seca e é um gasto enorme de combustível, porque há mais esforço do trator e um maior desgaste dos ferros dos ‘ripers’ [alfaias]. Este ano está a ser mais complicado devido à falta de água do que em 2017, e não me lembro de ver as terras secas como estão”, concretizou.
Cristiano Pires refere ainda que os custos de produção devido à seca “mais que duplicaram e há explorações agrícolas que não se aguentam”.
“Desde que sou agricultor é a primeira vez que encontro uma terra tão seca e tão difícil de trabalhar”, vincou.
Já na aldeia de Santiago, também no concelho de Mogadouro, Dinis Pereira, proprietário de um rebanho com 90 cabeças de gado da raça autóctone Churra da Terra Quente, disse que já começou a comprar forragem em Espanha e a outros agricultores da região porque o seu ‘stock’ está a esgotar.
“Hoje tive de trazer o gado para uma terra preparada para produzir centeio e destinada para o mês de maio, e já tenho de meter aqui as ovelhas”, observou.
Os agricultores lembram igualmente que atravessaram quase dois anos de pandemia em que os fatores de produção subiram e o escoamento dos produtos sofreu quebras com o encerramento da restauração e diminuição de visitantes a este território, também devido ao cancelamento de vários eventos ligados à promoção e divulgação de produtos da produção pecuária.
Por seu lado, Andrea Cortinhas, secretária técnica da Associação Nacional de Produtores da Raça Ovina Churra Mirandesa, com sede em Malhadas, no concelho de Miranda Douro, adianta que o cenário “é preocupante e desagradável”, e pior do que em 2017, ano de “seca severa” no território.
“Esta seca está a comprometer a produção de fenos e outras forragens, alimentos utilizados a cada inverno do ano seguinte. Há falta de erva fresca e temos de suplementar os nossos animais à base de ração. Estamos a ter custos brutais com a alimentação dos animais. Não podemos deixar o gado passar fome”, frisou.
A dirigente fala num crescimento, face a anos anteriores, a rondar os 45% com o custo final das rações, e o mesmo acontece nos adubos.
"É só fazer um passeio pelo Planalto Mirandês para imediatamente nos apercebemos dos efeitos severos da seca”, observou.
Pedro Alves, também pastor, relatou que se corre o tempo todo e é difícil encontrar água. “Estamos em fevereiro e nunca vi nada assim. Os animais, como estão a comer mais alimentos secos como palha, têm mais necessidade de beber água, o que é outro problema acrescido”, explicou.
No concelho de Vimioso, Vítor Miranda, produtor de gado para carne, afina pelo mesmo diapasão, interrogando-se de como é que os agricultores e produtores precários vão poder enfrentar esta seca.
“Terá que haver ajudas por parte do poder autárquico e do Governo central, senão vamos passar um mau bocado”, afiançou.
Cristiano Pires disse que a vinha poderá ser uma das produções mais prejudicadas nesta região do Planalto Mirandês, porque é uma atividade que consome muita água para as videiras “não entrarem stress hídrico”.
Alentejo, Algarve e Nordeste Transmontano são, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), as regiões mais afetadas pela situação de seca moderada que o país atravessa.
A falta de chuva levou várias organizações de produtores a alertar para os riscos ao nível das pastagens para animais e de culturas como frutas e hortícolas que poderão vir a escassear a médio prazo.
Francisco Pinto (texto e fotos), da agência Lusa