A aldeia de Vale de Telhas, no concelho de Mirandela, vai “Serrar a Belha” na sexta-feira e no sábado, uma tradição deste período de Páscoa que esteve em desuso e que foi recuperada já neste século.

De origem pagã, com a chegada da religião católica começou a coincidir mais ou menos com o final da Quaresma, e não é exclusiva da região.

Por norma, eram “serradas” as avós, isto é, um grupo de jovens percorria em procissão a casa das mulheres que foram avós nesse ano e fingia serrar uma velha – representada por um pau –, e não raras vezes estavam sujeitas a críticas.

Em Vale de Telhas, contudo, o rigor do tempo pascal era rompido com mais estrondo.

“Aqui nunca foi assim. Era um grupo de homens, vestidos de escuro. Havia um caixão, onde ia um desses homens. Não havia mulheres. Lembro-me de o meu pai ir. Eu era pequenina e ficava à espreita”, contou à Lusa Sónia Mota, da junta de freguesia, parceira neste evento.

Nessa época, os jovens “andavam de rua em rua, com umas latas, a fazer barulho, e era uma sátira”.

“Ou seja, o que se passava durante o ano [os jovens] punham tudo a descoberto. Alguém que tivesse feito algo que não fosse bem visto aos olhos da sociedade ficava desmarcado nessa noite”, lembrou Sónia Mota.

Os protagonistas mantinham a identidade oculta, disfarçavam a voz e só saíam a altas horas, para ninguém saber de quem fora a ousadia. O facto de não haver luz elétrica na rua também ajudava.

Depois, a tradição caiu no esquecimento durante muitos anos. Em 2010, com a Associação Recreativa e Cultural local fez-se uma primeira reanimação. E desde 2018 (com exceção para a pandemia) que está de volta.

A tradição abriu-se às mulheres e criaram novas personagens, entre elas, precisamente, uma senhora de idade avançada, rabugenta e má, às portas da morte: a “belha”.

Ao longo do seu percurso, até finar, a personagem tem oportunidades para se redimir, com o desenlace que a há de guiar ao céu ou ao inferno. Quando a "belha" morre, há um cortejo fúnebre, com direito a carpideiras.

No final, queima-se uma “belha gigante”, um boneco, porque esta tradição também remete para o final do ciclo frio do inverno e a chegada da primavera.

O tom satírico mantém-se, ainda que mais polido para não ofender ninguém. “Mas, mesmo assim, no primeiro ano que fizemos houve gente que levou a mal algumas coisas que dissemos”, riu Sónia.

A crítica social está, para além de mais suave, mais alargada. Vão ser visados de entre os habitantes de Vale de Telhas, que são 165, os intervenientes em momentos mais caricatos e humorísticos ocorridos recentemente.

“Tal como vamos falar de algumas pessoas conhecidas do concelho, ou políticos”, revelou Sónia Mota.

Além disso, o “Serrar a Belha” passou a ser uma oportunidade para fazer negócio a nível local, além de conviver com quem regressa às origens ou quem visita para conhecer.

Este ano, na sexta-feira, estreia o festival gastronómico do polvo à galega, para quem quiser cumprir o jejum da Sexta-Feira Santa.

Haverá tascas de comes e bebes espalhadas pela aldeia e animação musical nos dois dias. No sábado à noite atuam os mirandenses Galandum Galundaina.

Foto: CMM


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