Uma aldeia perdida junto à fronteira no Nordeste Transmontano apresenta uma inesperada actividade industrial a partir de produtos artesanais como as facas e os pipos do vinho, que exporta para destinos tão longínquos como a Nova Zelândia. Palaçoulo, freguesia rural do concelho de Miranda do Douro, soube tirar partido do \"saber de gerações\" e da proximidade com Espanha para vencer o isolamento e lançar-se na globalização.
Uma boa parte dos 600 habitantes da aldeia vive da cutelaria e da tanoaria. E a falta de acessibilidades não tem constituído obstáculo às exportações, apesar de Palaçoulo ficar a cerca de uma hora das principais vias rápidas portuguesas e espanholas.
Há mais de 30 anos que a maior empresa de cutelaria local, a \"Filmam\", iniciou transacções com os espanhóis, vendendo as tradicionais facas \"palaçoulas\" nas romarias fronteiriças da \"Senhora da Luz\" (Miranda do Douro) e da \"Senhora da Ribeira\" (Quintanilha/Bragança). \"Não eram exportações documentadas\", recorda Domingos Martins, um dos actuais três sócios da empresa, mas \"foi assim que apareceram interessados do outro lado da fronteira\".
Começaram depois a exportar oficialmente para Espanha. \"Foi preciso sachar tudo\", conta, ilustrando como abriram caminho para um mercado que absorve actualmente 40% das cerca de 1700 facas produzidas diariamente.
Já conquistaram outros mercados, embora em menor escala, em países de língua oficial portuguesa, na França e na Alemanha. Começaram por criar postos de venda ao longo de toda a fronteira, de Vila Real de Santo António a Chaves. Têm actualmente uma quota de cerca de 15% do mercado nacional da cutelaria. A empresa tem 25 postos de trabalho permanentes e conta com três registos no instituto nacional de patentes, graças a uma particular faca com lâmina e garfo, outrora utilizada nas refeições no campo.
O exemplo desta fábrica foi seguido por outros e Domingos Martins conta \"mais de uma dúzia de pequenas indústrias de cutelaria que dão emprego a mais de uma centena de pessoas\". \"Não há muito desemprego na terra\", constata Clemência Delgado, funcionária da fábrica há mais de 20 anos, tantos como Emerência Raimundo, que preferiu trabalhar na cutelaria a emigrar, como outros conterrâneos. A poucos metros daquela empresa, cinco hectares de terra são ocupados por um moderno complexo de tanoaria, resultado de um investimento de 2,5 milhões de euros em tecnologia de ponta que aproveita a \"pureza ambiental\" da zona para produzir pipas ou barricas de qualidade. A Tanoaria J. M. Gonçalves exporta 80% das 12 a 13 mil unidades produzidas anualmente para países como a França, Itália, Espanha, África do Sul e Nova Zelândia.
\"Praticamente todos os produtores de vinho\", explica Abílio Gonçalves, um dos seis irmãos sócios, que se licenciou em enologia para expandir um negócio de gerações. A estratégia, disse, passa por seguir a rota da rolha de cortiça. \"Onde há clientes para a rolha, há para o vinho\", afirmou.
A nova fábrica aposta \"em clientes especiais\", que pagam entre 250 a 600 euros por uma barrica de 225 litros destinada a guardar alguns dos vinhos mais prestigiados do mundo.
A bandeira desta tanoaria é a \"pureza ambiental\" da zona, que a tornou na segunda empresa do mundo com certificação do processo de secagem da madeira para as barricas, depois da francesa Tarrasaud. Com o lema \"da floresta à adega, um percurso sempre controlado\", esta tanoaria tem como mais valia a ausência de poluição ambiental que possa contaminar a madeira e adulterar os vinhos. Cerca de 40 pessoas trabalham na empresa que tem capacidade para atingir uma produção anual de 20 mil barricas.