As chegas de bois não são, afinal, um exclusivo do Barroso ou de Trás-os-Montes. Há lutas de touros no Japão, na Coreia do Norte ou no Irão, por exemplo. No passado fim-de-semana, especialistas de vários países reuniram-se em Montalegre para tentar perceber o fenómeno das lutas de animais e as paixões que despertam. Foi o primeiro congresso sobre o tema em Portugal.
António Germano Duarte, 55 anos, tinha «cinco/seis» anos quando viu a primeira chega de bois. Foi levado pela mão do pai. Lembra-se quase como se fosse hoje. «Turrou» um boi da vila (Montalegre) com um do Barracão. Nuno Duarte, 30 anos, apanhou o vício das chegas aos seis, sete anos com o pai (António). Hoje, é proprietário, em parceria com um cunhado, do boi campeão da região, o «Caipira». Ao contrário do pai, que não consegue meter nada à boca antes de uma luta, Nuno come.
Mas, na hora de carregar o animal na carrinha que o há-de levar ao chegódromo [campos próprios para a realização de chegas de bois], começa-lhe a «faltar o ar». «Levo sempre uma garrafa de água para ir bebendo». O cunhado, não lhe falta o ar, mas «bufa». Claúdia Duarte, de 7 anos, já «adora» chegas. Aprendeu com o pai (Nuno). Mas, para já, não se enerva porque o «Caipira ganha sempre». No concelho de Montalegre, o gosto por uma das mais enraizadas tradições corre no sangue, de geração em geração e desperta as mais incríveis sensações.
E foi para perceber o fenómeno e a génese dos combates de animais que entre sexta-feira e domingo passados, especialistas internacionais reuniram em Montalegre, naquele que é o primeiro congresso sobre esta prática em Portugal. «Há combates de animais em todo o mundo, a ideia é tentar perceber porque há tanta gente apaixonada por estas actividades, bem como para observar evoluções recentes», explicou, Jean Yves Durand, da Universidade do Minho, e co-organizador do congresso em parceria com o Ecomuseu do Barroso.
E onde ficam os direitos dos animais? «O papel do congresso não é promover nem criticar as lutas de animais, é tentar perceber. Do ponto de vista do antropólogo, é tão importante observar os fenómenos sociais críticos, como os aficionados», esclareceu Durand, lembrando que, de qualquer forma, há diferenças substanciais entre as várias lutas de animais. «As chegas de bois não se comparam [em termos de violência] com as de galos e carneiros, que, por vezes acabam com a morte de um dos animais», explicou, lembrando o significado dos combates: Tradicionalmente, nas chegas de bois, era a aldeia que estava em causa.
O animal é o próprio prolongamento da pessoa, defendeu. Na mesma linha, Humberto Martins, da Universidade de Trás-os--Montes e Alto Douro, falou sobre a relação de afectividade que se estabelece entre homens e animais. «Lembro-me que em Tourém, um boi, o Ruivo, faz parte da história da aldeia, todos tinham orgulho nele. Uma vez, o Pita [um morador] contou-me que «até chorou» porque alguém lhe disse a brincar que o Ruivo era uma vaquita [fraco para lutar]», relatou o investigador.
No entanto, o antropólogo não deixou frisar que existe nas chegas de bois um «paradoxo». Por um lado, antes das chegas, os animais são tratados como «filhos» e com toda a afectividade e, depois, quando perdem, são vendidos para abate. «Há como que um regresso à hierarquia: és carne, és animal...«, explicou Humberto Martins. Mas há outros actos aparentemente tresloucados que revelam a dimensão do fenómeno e onde chega esta paixão. Este ano, um ex-emigrante nos Estados Unidos pagou por dois bois 35 mil euros.
Perderam ambos no primeiro combate. Com a derrota, o valor dos animais regressou ao «preço de talho», menos de 5 mil euros. Além de chegas de bois, no congresso foram também analisados as lutas de grilos em Xangai, na China, as de escaravelhos, na Tailândia, a luta de galos, no Norte de França, os combates de vacas, nos Alpes Suíços, e o combate de touros no Norte do Irão. No sábado à tarde, os especialistas tiveram oportunidade de ver ao vivo uma chega de bois, de carneiros e uma luta de galos.