Uma família de Torre de Moncorvo exige uma indemnização de 250 mil euros como compensação pela difamação de que julgam ter sido alvo com a publicação do livro «O palácio das moscas», escrito pela mulher de um familiar. Um caso inédito na região, que tem dado origem as paixões.
A família Fernandes aguarda o desfecho do processo por difamação que desencadeou na sequência da publicação, em 2000, do livro de estreia de Bento Xavier, pseudónimo de Maria de Fátima Fernandes, que, alegadamente, se inspirou na família do marido. Antevendo, talvez, um desfecho polémico, a autora ressalva, no início do livro, que todas as personagens são fictícias e quaisquer semelhanças com pessoas vivas ou mortas é pura coincidência.
Discordando, cinco elementos da família, sentindo-se injuriados pelo conteúdo do romance, por considerarem que lhes difamava o bom-nome, avançaram com um processo-crime contra a autora. Em Agosto de 2002, deu entrada, no Tribunal de Torre de Moncorvo, uma queixa contra Maria de Fátima Fernandes, por parte da sogra, da cunhada, de uma prima, de uma tia e de um cunhado, que entendem que o livro difama e ofende a memória de pessoas mortas e a eles próprios.
Atentar contra a honra
J. Fernandes, casado com uma das queixosas, referiu, ao JN, que as pessoas que conhecem a família e lêem o livro associam-nas automaticamente, \"apesar de os personagens terem um nome diferente\", afirmou.
Na acusação, os queixosos alegam que a arguida publicou o livro com \"o único objectivo de atentar contra a honra e consideração social da família do seu marido\". E reiteram que a autora tinha \"perfeita consciência de que os leitores do livro, que conhecem a orientação dada às suas vidas pelos assistentes, não deixariam de os ver retratados, à mistura com factos da vida real\". J. Fernandes acrescenta que o livro \"faz referências horríveis à família e distorce a realidade\".
A acusação considera que a autora fez também um enquadramento social da família que leva à sua clara identificação, referindo pormenores, como a fábrica do pimento, que a família possuiu em tempos, no Carvalhal.
Edição de 100 exemplares
\"O palácio das moscas\" foi lançado no salão nobre da Câmara de Moncorvo, de onde a família é originária e muito conhecida. O queixoso acaba por dizer que se o livro tivesse sido lançado em Lisboa ou no Porto não tinham ficado tão indignados. \"Lá não nos conhecem\", desabafou.
Maria de Fátima Fernandes fez uma edição de autor de 100 exemplares, com o intuito de a distribuir pela família, mas o livro acabou por se tornar conhecido na vila e foram muitos os que, por não conseguirem um exemplar, acabaram por recorrer a fotocópias.
Em 8 de Novembro de 2002, o Ministério Público (MP) acompanhou a acusação e a autora foi incriminada por cinco crimes de difamação e dois de ofensas à memória de pessoa falecida. Mais tarde, após a substituição do procurador, a acusação deixou de ser acompanhada e agora aguarda-se o resultado do recurso interposto no Tribunal da Relação do Porto face à decisão do MP.
O JN tentou contactar a autora do livro, residente no Fundão, mas, apesar de várias tentativas, tal não foi possível. São poucos os que falam frontalmente do assunto. Do presidente da Câmara, instado a comentar o caso, não obtivemos resposta, assim como de outros familiares. O marido da autora foi lacónico e disse que não falava do assunto.
Na pacata vila, o livro só não passou despercebido devido à polémica. A centena de exemplares acabou por se diluir e hoje é difícil de encontrar. Os mais novos fazem pouco caso, não relacionam as personagens com a família, como foi o caso da directora da biblioteca de Moncorvo, Helena Pontes, que, movida pelo alarido, acabou por pedir o livro emprestado. Na verdade, confessou, acabou por deixar a leitura de parte porque \"não conhecia ninguém\". Já Carlos S., advogado, leu e garante que associou com relativa facilidade os personagens do romance a pessoas da vida real.
A história de \"O palácio das moscas\"
A história de \"O palácio das moscas\" inicia-se no ano de 1935, numa manhã de Páscoa, em Trás-os-Montes. O enredo desvenda a vida de uma família transmontana em que alguns elementos emigraram para África e a América.
Ao longo de 382 páginas, destacam-se as personagens Floro, António Baptista, Julião Ferrado, Brígida, as suas vidas em Portugal e nos Estados Unidos da América, os amores e desamores. A vida de Roberto Ferrado, \"o homem mais importante de Trás-os-Montes e a pessoa que mais marcou Guilha\", localidade imaginária que o livro situa em Trás-os-Montes e que muitos associam a Torre de Moncorvo.
Nas palavras da autora, o livro trata de uma divagação sobre uma peculiar família transmontana. \"Julgarei Floro evitando alguma infâmia, ou louvarei Roberto, sem que ele se condene a si próprio. Mas a António vou transportá-lo numa mágica caravela e soprar fortemente as velas para ele subir o rio. Ele teve por pátria o mundo, que espremeu a grande maçã, apanhou os amendrucos e bebeu suor salgado, merece as honras dos deuses. ( ) E quanto a Julião, sentá-lo-ei à mesa dos transmontanos para que o riso e as palavras se eternizem. A estas e a tantas outras personagens, em particular às sábias, generosas e alegres, que foram minhas musas mas também às tirânicas, cínicas e despeitados que coloriram a minha vida, os meus sinceros agradecimentos, pois sem elas jamais poderia escrever esta obra\".