Um batalhão de Caretos saiu no dia 24 de abril de Podence, com ordens para celebrar a liberdade e manter a desordem no Palácio de São Bento, residência oficial do Primeiro-ministro, no coração de Lisboa.
Em 2019, comemoram-se os 45 anos do 25 de Abril, e, para assinalar a Revolução dos Cravos, em Lisboa, abrem-se as portas dos edifícios mais emblemáticos, cumprindo a tradição. A Residência Oficial do Primeiro-ministro, abre as portas na tarde do dia 25 de abril, com vários espetáculos que irão ocupar os jardins de São Bento, com destaque para as atuações musicais de António Zambujo, do punk filarmónico da Fanfarra Kaústika e da Filarmónica de Gafanha da Nazaré, entre outras atividades.
Os tradicionais Caretos de Podence, rapazes endiabrados do Nordeste Transmontano, darão as boas-vindas a todos os visitantes e estarão encarregues de espalhar a alegria e animar a festa, dar colorido, fazer barulho e andar à solta pelos jardins do palácio.
Um batalhão composto por cerca de vinte Caretos, saiu de Podence no dia anterior, num mini autocarro a dever dias à reforma, prometem animar e espalhar magia no palácio. Resiliência não lhes falta. Motivação e espírito de sacrifício, são à prova de bala. O mais velho, Egas Soares, do alto dos seus 65 anos, parece uma criança ao lado do Guilherme Coutinho de 6 anos.
Pergunto a mim mesmo que acompanhei a viagem, qual é o segredo que está por de trás destes homens, adultos, jovens e crianças, que se vestem de caretos e se transformam? Qual é de facto a motivação?
Só encontrei uma palavra. Orgulho. O orgulho de ser o que são, o brio com que se vestem, a magia que nos transmitem com os seus chocalhos e fatos coloridos, a palete de cores dos seus fatos invade de espanto as pessoas, as mascaras diabólicas apenas escondem rostos sorridentes e orgulhosos de mostrarem a sua tradição secular. Não há nada mais genuíno que isto.
A performance dos caretos começa com a animação aos visitantes do palácio que nesse dia esperam nas filas para entrar. O famoso Chaimite (carro de bois) dos Caretos, irrompe pela rua, os Caretos aos berros chocalham as pessoas, a animação promete e o espanto inicial passa a ser alegria. As pessoas não param de tirar fotos ao lado destas figuras enigmáticas. O dia está ganho! Pergunto às pessoas se conhecem os mascarados, e a resposta vem logo “são os Caretos de Podence, adoro, mas nunca tinha visto”. Explico que este ano, esperam ser considerados Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, que estão ali porque adoram trajar-se de Caretos.
Dali para a frente, já nos jardins do palácio, são recebidos pelo Primeiro-ministro, António Costa, que recebe e coloca a máscara dos Caretos, especialmente concebida para assinalar os 45 anos do 25 de Abril
António Carneiro, presidente da Associação de Caretos, sente-se em casa. Homem resiliente, habituado aos contactos ao mais alto nível, vai recolhendo assinaturas de figuras públicas para a iniciativa “Cem Máscaras Cem Rostos De Portugal”, a realizar mais para a frente, vai vestindo o fato de careto aos VIP que aderem ao “Eu Sou Careto”. Entretanto, pelos jardins à solta, andam os irreverentes Caretos numa roda viva de selfies, não é preciso dizer ao que vêm, chocalham quem encontram, apesar das restrições rigorosas da organização.
A revolução dos cravos é agora uma festa Transmontana. O dia termina com a viagem de regresso. A tropa regressa finalmente ao seu quartel em Podence. Os Caretos, tal como os Capitães de Abril, tinham conquistado Lisboa. Pelo caminho não oiço uma palavra de desconforto, apenas o sentimento do dever cumprido. O cansaço não se nota e estão prontos para outras jornadas.
Em dezembro, será anunciada a decisão da UNESCO. O caminho até essa data, promete ser longo, mas não será tão longo como esta tradição secular, perdida no tempo, que estes nativos de Podence, continuam orgulhosamente a envergar e com certeza será reconhecida pela UNESCO como merecem.