Uma equipa internacional liderada por investigadores portugueses divulgou hoje um estudo que permite conhecer o centeio mais antigo da Península Ibérica e discute a cronologia e o contexto histórico em que esta espécie foi introduzida e cultivada nesta região.
De acordo com os investigadores, os grãos e restos de espigas de centeio mais antigas da Península Ibérica datam da Idade do Ferro, nomeadamente de um período entre o século III a.C. e a primeira metade do século I a.C., foram recolhidos nos sítios arqueológicos do Freixo/Tongobriga (Marco de Canaveses), Crastoeiro (Mondim de Basto) e Castro de São Domingos (Lousada) no Norte de Portugal, bem como no Castelo Pequeno de Santigoso (A Mezquita) na Galiza.
A cronologia foi confirmada através de uma série de datações de radiocarbono e da aplicação de análises estatísticas, numa investigação que decorreu no BIOPOLIS/CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto), no âmbito do doutoramento de Luís Seabra e no contexto de uma ampla colaboração entre investigadores de instituições como a School of Archaeology da University of Oxford, Universidad de Cantabria, Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra, Wessex Archaeology e o Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.
A busca pelo centeio mais antigo do território peninsular, e um dos mais antigos da Europa ocidental, iniciou-se há oito anos quando Luís Seabra estudava, no âmbito do seu mestrado, um conjunto de frutos e sementes provenientes do sítio do Crastoeiro, localizado no sopé do mítico Monte Farinha, mais conhecido por Alto da Senhora da Graça.
Na altura, uma datação de radiocarbono permitiu compreender a antiguidade do centeio aí encontrado, mas, tratando-se de um caso isolado, era difícil entender a sua integração na agricultura da Idade do Ferro da região.
Ao avançar para doutoramento, Luís Seabra estudou “inúmeros” conjuntos arqueológicos e arqueobotânicos em busca de mais centeio e encontrou o que procurava.
“Compreendemos que o centeio surge com mais recorrência do que antes pensávamos, em sítios da Idade do Ferro, mais precisamente, com cronologias estimadas entre os séculos III e I a.C., no Norte de Portugal e sul da Galiza”, refere Luís Seabra.
Contudo, sublinha, “os dados obtidos não permitem esclarecer por completo se estes primeiros vestígios decorrem do efetivo cultivo desta espécie ou se o centeio que aqui se encontrava era uma mera infestante de outros cereais, como o trigo espelta, amplamente cultivado na região durante este período”.
Para tentar esclarecer esta questão, a equipa avaliou os contextos arqueológicos em que foram recolhidos os vestígios de centeio e realizou um estudo biométrico de modo a compreender se houve modificações nos grãos deste cereal ao longo do tempo, medindo e comparando estes conjuntos arqueobotânicos mais antigos com cereais de diferentes sítios arqueológicos de cronologia Romana e Medieval da mesma região, explica João Tereso, investigador do BIOPOLIS/CIBIO-InBIO e coordenador do estudo.
“Os resultados não foram conclusivos a este respeito, mas demonstraram que os grãos de centeio só aumentam significativamente de dimensão a partir da Idade Média”, afirma o coordenador do estudo hoje publicado na revista PLoS ONE
Ainda assim, a investigação sugere que “o centeio terá sido introduzido inadvertidamente como infestante durante a Idade do Ferro, tendo o seu cultivo efetivo iniciado num momento avançado da Época Romana, provavelmente entre o final do século II e o século IV da nossa Era. Esta hipótese sustenta-se, principalmente, no facto do centeio ser esporádico e secundário face a outros cereais na cronologia mais antiga e estar posteriormente ausente durante cerca de dois séculos, até ressurgir no final do século II ou início de III”.
“No futuro será necessário, porém, reforçar a amostragem sobre contextos da Idade do Ferro e de Época Romana, de modo a testar as hipóteses que colocamos agora. Como qualquer investigação em Arqueologia, é sempre possível que o próximo achado, nosso, ou de outra equipa, nos contradiga, mas essa é uma das partes mais fascinantes da ciência”, considera João Tereso.