A aldeia transmontana de Cidões com, somente, 17 residentes, conta receber no próximo sábado, dia 29 de outubro, três mil visitantes para a milenar e já icónica Festa da Cabra e do Canhoto.

 

Cidões, uma pequena aldeia do concelho de Vinhais que conta com, apenas, 17 moradores permanentes, espera receber três mil visitantes na Festa da Cabra e do Canhoto que este ano acontece a 29 de outubro.

Segundo a organização, no sábado pode esperar-se “uma noite mística, quase surreal”, baseada numa tradição milenar. “Apesar da pequena dimensão da localidade, esta festa de forte tradição celta nunca caiu no esquecimento e graças ao trabalho nos últimos anos da Associação Raízes, este evento, que é motivo mais que suficiente para que centenas de pessoas se desloquem por uma noite a Cidões, já ultrapassou fronteiras”, refere a responsável, em comunicado enviado à redação.

Questionada sobre o que pode mudar de ano para ano, se esta é uma festa de rituais, a presidente da Raízes responde que a diferença reside “na capacidade de receber cada vez melhor quem vem de fora”. E é com essa preocupação que sábado a festa irá ocupar as ruas mais centrais da localidade, bem como o largo principal. “Todo o espaço vai ser decorado com motivos celtas, vai ser instalada uma tenda, para garantir espaços cobertos em caso de chuva, pela primeira vez há várias tasquinhas com bebidas típicas desta festividade como o vinho, a sangria, os licores celtas e petiscos variados como a linguiça, alheira, sopa à transmontana, bifanas, presunto e feijoada de javali”, assegura Maria João Rodrigues, sublinhando que na Festa da Cabra e do Canhoto é tradição “comer a cabra machorra, cozinhada em enormes potes de ferro, à fogueira”. A “cabra machorra” representa a mulher do diabo que não deu qualquer descendência. “Temos nove cabras”, revela a responsável pela organização do evento, acrescentando que também não vai faltar, à descrição, “queimada, úlhaque que é uma bebida espirituosa confecionada na aldeia e café no pote”. 

Quanto ao programa, a festa começará ao pôr-do-sol, por volta das 19 horas com o ritual da ascensão da lua. Logo de seguida, será hora de acender a enorme fogueira onde ao final da noite há-de arder o “cabrão”. Grupos de gaiteiros e danças celtas irão animar a festa em permanência, misturando-se com os visitantes e convidando-os para se envolverem plenamente no misticismo desta original tradição. O “Druida e as suas deusas” farão o “esconjuro”, enquanto preparam a queimada, sendo este um dos momentos altos da festa, pois crê-se que afasta os males do corpo e da alma, invocando prosperidade e fertilidade. 

 

Por volta das 23 horas, será queimado o “cabrão” ou “bode gigante”, empurrado pelas deusas para a fogueira do Fogo Sagrado. “E é a queima do bode que desperta a ira do diabo que pouco mais tarde há-de descer pela aldeia, em cima de um carro de bois, puxado pelos moços da terra. Um carro de bois com as tarrachas bem apertadas, que chia assustadoramente, que torna o momento mais aterrorizador”, garante Maria João Rodrigues. 

Já de madrugada, num ritual reservado aos filhos da terra, a aldeia será virada literalmente do avesso, na Festa da Cabra e do Canhoto e “nada fica como era em Cidões”, promete a presidente da Raízes. 

De salientar que a festa é preparada pelas pessoas da aldeia, contando, ainda, com a participação do Agrupamento de Escolas de Vinhais, responsável pela execução do bode gigante com cerca de 3 metros que irá arder na fogueira. Também o Grupo de Teatro Filandorra de Vila Real irá marcar, mais uma vez, presença com animação permanente, “ajudando a criar um cenário quase mágico”. 

 

 

“O ESCONJURO

 

Mouros, cucos, sapos e bruxas.

Demónios, ecos e diabos,

Espíritos dós Azibreiros,

Dá derruida, dá cabreira e dós alheirões.

Passos que ressoam, mortos vivos,

Corujas e feitiços das curandeiras.

Canhotos podres e esfuracados,

Lugar de bichos esganados.

Fogo das Guerras Santas,

Gritos no silêncio, negros morcegos,

Cheiro dos mortos, trovões, raios e zangões.

Orelha de cão, pé de cabra,

Focinho de rato e pata de coelho.

Guedelha de ovelha preta, pregão da morte,

Fiambre de cabrito apodrecido.

Pó de sótão de morto,

Casa de Barzabu, fogo dos cadáveres ardentes,

Satanás e pita preta.

Peidos de cus infernais, rugido do Rio Tuela,

Pinotes de rapariga,

Miar de gatos pretos vadios,

Pintelheira suja de cabra machorra,

Com esta colher levantarei as chamas deste lume,

Das profundezas do inferno.

Fugirão as bruxas a galope, nas suas vassouras,

Indo-se banhar nos poços do Manhuço,

Do Maquia e do João do Souto.

Escutem! Oiçam!

Oiçam os barulhos que fazem as bruxas a arder nesta aguardente, transformando- se em donzelas purificadas.

E quando este preparo, passar pelas nossas goelas,

Esconjure todos os males da nossa alma,

E nos livre de diabruras, bruxedos e maus olhados.

Forças do ar, terra, mar e lume! Cachoeiras, águas dó reganal, Frágas dos corvos, ar de ribô e lume do canhoto!

A vós faço a chamada:

Se é verdade que tendes mais força que a humana gente,

Aqui e agora,

Fazei com que os espíritos dos amigos que estão fora,

E os nossos antepassados, participem connosco nesta Queimada!”

 


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