A recém-descoberta Rocha 60 da Ribeira de Piscos, no Vale do Côa, com pinturas a ocre do período pós-paleolítico, revelou que a chamada Arte do Côa se prolonga por milénios, constituindo essa continuidade o interesse da investigação.

A 'nova' forma de arte agora identificada na Rocha 60, utilizada pelos habitantes pré-históricos do Vale do Côa, tem unicamente pinturas a ocre datadas do período pós-paleolítico, características da sua arte naturalista e esquemática, e surge num contexto de 30 mil anos, em que até agora, no mesmo território, eram apenas conhecidos testemunhos da técnica do picotado ou abrasão das rochas.

O Vale do Côa, um dos maiores santuários mundiais de arte rupestre ao ar livre, com esta descoberta recente, preenche assim um espaço temporal de cerca de cinco mil anos, através da pintura, abrindo perspetivas na investigação e levantando questões sobre a conservação deste património recém-descoberto.

De acordo com equipa multidisciplinar de investigadores oriundos de várias universidades, reunidos no projeto “LandCRAFT.5”, coordenado pela Universidade de Coimbra, a Arte do Côa demonstra, com esta descoberta, que a sua expressão é “ininterrupta ao longo de vários milénios”, estabelecendo uma continuidade entre os períodos Paleolítico e Neolítico, “o que coloca a investigação na vanguarda a nível europeu”.

“Nesta rocha estão pintadas, ao que tudo indica, figuras femininas”, sendo todo o conjunto de pinturas, agora revelado, “uma grande novidade” neste tipo de arte pré-histórica, disseram os investigadores à agência Lusa.

Até aqui, no Vale do Côa, eram conhecidas rochas picotadas representado motivos da fauna daquele território com destaque para auroques (boi selvagem), cavalos, cabras e cervas, entre outros.

Os investigadores continuam a trabalhar na datação exata das pinturas agora descobertas, sabendo-se que são pós-paleolíticas. Os resultados da verificação dos motivos representados serão apresentados a breve prazo.

“No Côa existe pouca pintura. No entanto, também é verdade que desde que se descobriu a Arte do Côa, conhecemos algumas figuras pintadas e, neste projeto que agora chegou ao fim, foram estudadas todas as rochas conhecidas, e descobertas mais algumas”, disse à Lusa o arqueólogo Mário Reis da Fundação Côa Parque e um dos investigadores envolvidos nesta descoberta.

Para o arqueólogo, a pintura pode coexistir com a gravura, quer cronologicamente quer nos mesmos espaços. Aqui, no sítio da Ribeira de Piscos, onde foi feita a nova descoberta, quase tudo o que era conhecido era gravado na rocha da época do Paleolítico. Esta pintura vem ilustrar a continuidade o que aconteceu neste território ao longo do tempo, em termos artísticos.

Mário Reis explicou que a técnica de pintura utilizada era feita com recursos naturais existentes no Vale do Côa como é o caso do óxido de ferro ou ocre.

“Devido a esta tinta o que sobrevive nas pinturas que chegaram aos nossos dias, é o óxido de ferro, ou seja, a parte mineral. A parte orgânica dos espessantes terão desaparecido, após análises feitas", vincou.

Para se apreciar estas formas de arte recém-descobertas no Parque Arqueológico do Vale do Côa, é preciso uma visão apurada e conhecimentos para identificar a técnica utilizada e as figuras pintadas na rocha.

Para facilitar a visualização dos investigadores e futuros visitantes, só é preciso uma câmara digital, um 'tablet' ou um telemóvel com a aplicação 'DStretch', que realça a pintura através do processamento e análise dos vestígios existentes.

Agora é importante pensar na conservação desta forma de arte do período mesolítico que está sujeita a vários fatores de erosão, defende a conservadora Vera Caetano, outro elemento da equipa de investidores.

“A conservação" terá de ter em conta e de se sujeitar ao "tipo de comportamentos das pinturas face aos agentes de deterioração, sendo importante conhecer o tipo de pigmentos utilizados, o tipo de doenças ou patologias, naquilo que conseguimos observar em primeira mão”, explicou à Lusa.

Vera Caetano acrescentou ainda que é preciso calcular o risco de futuro para estas gravuras já que se trata de um trabalho “pioneiro”, no âmbito do LandCRAFT.5.

“Todo este trabalho tem o intuito de se criar um plano efetivo de gestão que possa permitir a salvaguarda das pinturas para depois permitir” que possam ser alvo de visitas, indicou.

Vera Caetano chama igualmente a atenção para o facto de estas manifestações de arte estarem em leito de cheia do rio Côa, passíveis de ficarem submersas em tempo de chuva, numa situação agravada pelo lançamento da construção da barragem do Alto Côa na década de 90 do século passado.

As pinturas encontram-se num local isolado e estão ainda cobertas por vários tipos de vegetação, num terreno acidentado e sinuoso, nas margens do Côa.

A descobertas no Parque Arqueológico do Vale do Côa resultam da investigação arqueológica permanente que é feita no território.

Neste momento estão identificadas 1.511 rochas com motivos, deste parque arqueológico de Vila Nova de Foz Côa, no distrito da Guarda.

No terreno está o projeto LandCRAFT.5, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, que teve início em 2020 e que permitiu, pela primeira vez, colocar a descoberto pinturas da chamada arte levantina da pré-história pós-paleolítica, ou seja do período mesolítico.

Assim, tomando os motivos por referência, de acordo com a investigação, num total de quase 14.800 já inventariados em toda a Arte do Côa, o universo pintado traduz-se atualmente a perto de quatro por cento, em linha com a raridade dos registos: cerca de 600 manifestações identificadas, entre manchas, informes e motivos já individualizáveis, no universo da pintura com recurso a pigmentos.

Do LandCRAFT.5, investigação conduzida pelo Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, fazem parte Lara Bacelar Alves, que lidera, João Muralha Cardoso, Mário Reis, Vera Caetano, Bárbara Carvalho, Beatriz Comendador Rey, Andrea Martins, Teresa Silva, Susana Lopes, Fernando Carrera Ramírez, Teresa Rivas Brea, António Batarda Fernandes, José Santiago Pozo António, Pablo Barreiro, Andrew Jones e Hanna Sackett.

*** Francisco Pinto (texto e vídeo) e Miguel Pereira da Silva (fotos), da agência Lusa ***



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