A demissão de Carlos Guerra do cargo de gestor do Programa de Desenvolvimento Rural (Proder), após ter sido constituído arguido no processo Freeport, colocou em contradição, esta quarta-feira, o primeiro-ministro e o ministro da Agricultura.

No debate quinzenal no Parlamento, José Sócrates disse ontem que o ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), Carlos Guerra, falou com o ministro da Agricultura logo que foi constituído arguido, a semana passada. E, acrescentou, Jaime Silva \"tomou a decisão de nomear um novo gestor para o Proder\".

Minutos antes, fora do hemiciclo, o ministro da Agricultura deixara claro que a demissão de Carlos Guerra não estava decidida. \"Vou ter uma reunião com ele hoje à tarde e, em função disso, tomarei uma decisão\", declarou. Pouco depois, avisado de que Sócrates anunciara a demissão, voltou a falar. \"O arquitecto (Carlos Guerra) pÎs o seu lugar à disposição, formalmente, numa carta. Eu tomei em consideração a iniciativa dele\", disse, sem esclarecer a contradição.

A demissão de Carlos Guerra foi reclamada pelo PSD, no hemiciclo, após o PP dar uma conferência de imprensa com o mesmo sentido. Ambos reagiam à confirmação, pela Procuradoria-Geral da República, da notícia, avançada pela TVI, de que Carlos Guerra já era arguido.

Carlos Guerra teve um papel determinante, enquanto presidente do ICN, na diminuição da Zona de Protecção Especial (ZPE) do Tejo e na aprovação do Freeport, dias antes de o PSD vencer as eleições legislativas de 2002.

Em Agosto deste ano, Carlos Guerra deixou o ICN e, em 2004, era consultor da Sociedade Ambiente e Manutenção (SAM). Esta empresa é de Manuel Pedro, que é sócio da consultora Smith & Pedro e arguido no Freeport, por suspeita ter feito pagamentos corruptos para garantir a viabilização do outlet de Alcochete.

A colaboração de Carlos Guerra com a SAM consistiu na elaboração de pareceres sobre a implantação de projectos turísticos nas antigas secas de bacalhau de Alcochete, na ZPE do Tejo.

Tratava-se da construção de um hotel e apartamentos, e Carlos Guerra defendeu a maximização das áreas de construção disponíveis.

O ex-presidente do ICN voltou à função pública em 2005, com o regresso do PS ao poder, para assumir funções no Proder, a gerir financiamentos comunitários. Em 2007, viu o seu irmão, o procurador José Eduardo Guerra, ser nomeado para a Eurojust, onde já estava Lopes da Mota.

Esta agência coordenava relações entre as autoridades portuguesas e inglesas, no Freeport, até o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, decidir afastá-la do inquérito, por suspeitas de que Lopes da Mota pressionara os titulares do processo a arquivarem-no.

Antes, fora José Eduardo Guerra quem arquivara o caso em que Lopes da Mota foi suspeito, também, de passar informações à autarca Fátima Felgueiras sobre o processo do saco azul da Câmara de Felgueiras.

Segundo noticiou o Expresso, o advogado de Carlos Guerra é João Correia. Este membro do Conselho Superior do Ministério Público foi quem propÎs \"uma investigação à investigação\" (Freeport) e vetou um voto de confiança do conselho aos titulares do processo, Paes de Faria e Vítor Magalhães, que denunciaram pressões alegadamente exercidas por Lopes da Mota.

Quem é Carlos Guerra?

NELSON MORAIS

Foi na direcção do Parque Natural de Montesinho que Carlos Guerra, transmontano de nascença e formado em arquitectura, começou a ganhar peso na estrutura do ICN. Durante a governação de António Guterres, na década de 1990, este amigo de Armando Vara chegou a presidente do ICN e exerceu funções com José Sócrates a ministro do Ambiente.

Depois de aprovado o Freeport, em 2002, o PS perdeu as legislativas para o PSD e Carlos Guerra fez uma incursão no sector privado. Assumiu funções, entre outras, de consultor de uma empresa de Manuel Pedro, outro arguido do Freeport, que queria erguer projectos turísticos na frente ribeirinha de Alcochete, entre esta vila e a Ponte Vasco da Gama. Em 2005, acompanhou o regresso do PS ao poder e passou a gerir fundos no Programa de Desenvolvimento Rural, que agora abandonou.

São também arguidos os consultores Charles Smith e Manuel Pedro, o arquitecto Eduardo Capinha Lopes que, em Dezembro de 2001, ficou encarregado do projecto e, desde ontem, José Manuel Marques.



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