A aldeia de Caravela, no concelho de Bragança, tem água, mas está a ser abastecida por autotanques dos bombeiros porque aguarda há meses por luz para ligar um furo à rede de abastecimento à população.

Por debaixo das duas grandes barragens que, mesmo em tempo de seca, asseguram que não falta água à maioria do concelho, a fonte habitual de Montesinho secou e um furo alternativo, feito há dois anos, não está a funcionar o que obriga a que, pela primeira vez, a aldeia seja abastecida por autotanques.

O transporte de água está a garantir o abastecimento a 26 aldeias do concelho de Bragança, onde os efeitos da seca extrema são visíveis, mas em algumas das quais as populações dizem que o problema não está na falta de água, mas em situações como as dos furos que não funcionam ou depósitos pequenos, antigos e com fugas.

Luísa Preto é a representante da aldeia de Caravela na União de Freguesias e não compreende como é que o furo, que “foi feito por conta da seca, ainda não está ligado”, nem entende a burocracia, leis e prazos quando está em causa dar água à população.

Os efeitos da seca começaram a sentir-se cedo nesta aldeia, que já passou o dia de Natal sem água e está agora a ser abastecida pelos bombeiros.

O problema é que enchem o depósito e depressa fica vazio, como apontou à Lusa António Romão, que numa manhã tomou banho e logo a seguir a irmã já não tinha água para o fazer.

É o que acontece “a maior parte das vezes” a Judite Barreira, proprietária de um dos dois restaurantes existentes na aldeia que: “tem água à farta, só que não nos a ligam”.

“Ainda hoje de manhã não tinha água, só às onze e meia é que consegui lavar a salada. O que vale é que o meu irmão tem um furo e vou lá buscar água quando estamos atrapalhados”, contou.

Em Montesinho, no parque natural com o mesmo nome, é a primeira vez que falta água, o que a população local não esperava depois de, há dois anos, ter sido feito um furo para reserva, mas que ainda não está ligado à rede.

Nesta aldeia turística, a última cosia que o empresário holandês Robert Van der Vliet queria, depois da covid-19, era agora ter que dizer aos clientes do turismo rural, em que investiu há 20ª nos, que não podem tomar duche.

Já na aldeia de Sortes, é habitual no verão os bombeiros levarem água, mas este ano começou mais cedo, com problemas que se arrastam de ano para ano como a dificuldade dos autotanques chegarem ao depósito, inacessível a camiões cisterna, o que obriga a usar veículos mais pequenos e a mais viagens, como contou Luciano Vaz.

Para este habitante, o depósito que abastece a aldeia é também parte do problema, pois “já tem muita idade e, muitas vezes, deixa a água ir embora”.

“A água vem da serra (da Nogueira) por gravidade e podia vir mais, mas é preciso explorá-la e porem uma mãe d` água em condições para não deixar o desperdício ir embora”, considerou.

Ali ao lado, Lanção costumava dar de beber a Sortes no verão, mas este ano está também a ser abastecida pelos bombeiros, como observou Irene Martins.

O problema tende a agravar-se com a chegada dos emigrantes que enchem a aldeia, como acontece na casa de César Gonçalves, onde habitualmente vive ele e a mulher e agora já são seis com os netos.

“Chegamos à situação de secar a água em ribeiras onde nunca na vida secou”, constata Manuel Octávio Vaz, acrescentando que o problema está também nas reservas.

Segundo disse, a rede de abastecimento é nova, mas o depósito é velho, tem 60 anos e “está rachado”.

“Há gente a regar com água que o depósito perde”, afirmou, defendendo que “a Câmara já gastou tanto dinheiro em reparações que dava para fazer um novo” e que dessa forma não haveria necessidade de os bombeiros irem abastecer a aldeia.

Também na aldeia de Espinhosela o depósito verte, mas nunca faltou água e agora todos os dias têm que ser os bombeiros a garantir o abastecimento com autotanques.

“Nós passávamos para a Santa Rita (romaria) em setembro e aqueles tubos estavam sempre a jorrar água, agora andam estes tratores em dois poços para regar”, contou Ana Vaz, referindo-se aos dois canos do lavadouro público da aldeia, que secaram.

Oligário Pires tem um trator e uma carrinha carregados com depósitos para ir buscar água que tem numa zona de lameiros para regar a horta e plantas de fruta.

“Nesta aldeia sempre tivemos muita água e talvez por termos essa abundância não se fizeram trabalhos para poder guardar melhor”, considerou.

Nas 114 aldeias de Bragança vive menos de um terço da população do concelho e, de acordo com o presidente da Câmara, Hernâni Dias, todas têm sistemas de captação nas nascentes e há 68 furos artesianos para redobrar os sistemas nas mais problemáticas.

Em relação aos furos que não funcionam, o autarca explicou que o processo de Caravela foi iniciado em janeiro, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) só emitiu o licenciamento em maio, em julho chegou-se a acordo com os proprietários do terrenos e agora está aberto concurso para a instalação da parte elétrica.

Em Montesinho, apesar do furo ter sido feito há dois anos, só agora irá ser tratada a parte da instalação elétrica, por “não houve necessidade de o pôr a funcionar” até agora, esclareceu o autarca.

Hernâni Dias garantiu que o município “tem vindo a fazer intervenções e substituições nos depósitos” e justifica as perdas nalguns, “mais antigos e mais frágeis”, com danos causados pela própria pressão com que a água é depositada quando transportada em autotanques.

O autarca reconhece que estas fugas nos depósitos são “mais preocupantes” perante a seca atual, mas entende que não se trata de “uma situação que promova uma grande perda de água no meio rural”.



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