O estudo da resistência das culturas de sequeiro transmontanas, como o castanheiro ou a oliveira, é o caminho defendido pelo climatologista Dionísio Gonçalves para encontrar soluções para fenómenos extremos como a seca que Portugal enfrenta atualmente.
Nesta região existem árvores centenárias de castanheiro, oliveira, nos carvalhais e mesmo em outras culturas como a vinha, que resistiram ao longo dos tempos a fenómenos extremos climáticos, como observou hoje à Lusa.
O professor e investigador jubilado, que ajudou a fundar o Instituto Politécnico de Bragança e o Parque Natural de Montesinho, defende que as chamadas culturas de sequeiro transmontanas, que sobrevivem sem rega, são “uma boa pista” da forma como deve ser gerido o território para resistir aos fenómenos extremos.
No Nordeste Transmontano predominam várias culturas deste género, como uma das mais importantes manchas de carvalhal da Europa, na Serra da Nogueira, em Bragança, olivais e soutos com árvores centenárias e mesmo vinhas que resistem aos ‘caprichos’ da meteorologia e continuam em produção.
“Toda a nossa paisagem natural sobrevive há centenas de anos, principalmente os nossos carvalhais, estão aqui há centenas de anos. Eles já passaram por secas absolutamente terríveis, passaram por vagas de frio absolutamente impressionantes e passaram por anos muito mais chuvosos”, apontou Dionísio Gonçalves.
O estudo destes ecossistemas é, para o professor catedrático, “fundamental” para se perceber como é que estas espécies resistiram ao longo das flutuações climáticas que houve nas últimas centenas de anos, como é que conseguiram sobreviver em ambientes tão ou mais hostis como o atual e “para tirar conclusões da forma como se há de gerir o nosso território”.
“Eu penso que [este ecossistema] terá uma boa pista para nós termos mais conhecimento sobre o funcionamento dos nossos ecossistemas naturais”, preconizou.
Este ano de 2022, em que Portugal tem 91% do território em seca severa ou extrema, “é um caso raro, mas já não é novo” para o climatologista de Bragança, que, além dos dados científicos, aponta também tradições locais que o testemunham.
Dos séculos 16 e 17 há descrições de secas terríveis que levavam as populações a fazer procissões a pedir chuva aos santos, rituais que perduram e que se observaram em anos recentes em Alfândega da Fé e Bragança.
Este ano ainda não se houve falar do recurso à fé das procissões e a crença generalizada de quem estuda os fenómenos climáticos é a de que 2022 pode chegar ou até ultrapassar a pior seca do século passado, nos anos de 1943,1944.
O ano hidrológico, como explicou o climatologista à Lusa, inicia-se em outubro e foi antecedido por um setembro com chuva acima do normal, que permitiu um ano excecional às colheitas de outono, nomeadamente azeite, castanha e vinho.
Mas faltaram as chuvas de inverno e as consequências são, para já, “fundamentalmente a falta de água nos solos para o rebentar das culturas de primavera/verão e das pastagens, agravado pelas temperaturas diurnas “estarem um pouco acima do normal”, segundo disse.
De acordo com Dionísio Gonçalves, o mês de março também tem sido caracterizado nos últimos 40 anos pela diminuição da precipitação e “a única esperança que há é o bimestre abril/maio, as “águas mil”.
Se falharem estes dois meses fundamentais para as culturas de primavera/verão, Dionísio Gonçalves perspetiva “um caso sério na agricultura e todas as outras atividades por que a falta de água vai condicionar imenso as atividades humanas”.
É, como acrescentou, um problema das sociedades modernas, concretizando que na seca extrema de 1943/1944 “a utilização da água era extremamente exígua”, mas hoje em dia, com “o mesmo tipo de seca, as consequências para a sociedade moderna são extremamente drásticas”.
A água, enfatizou, é um bem indispensável desde o consumo humano à agricultura, produção de energia, às atividades industriais.
“Com o nosso tipo de desenvolvimento e a forma de estar na vida de todos nós, utilizamos e desperdiçamos imensa água e tem que haver efetivamente um cuidado enorme em não utilizar mal a água que temos”, vincou.
O climatologista observou ainda que este século XXI tem tido “mais situações parecidas com esta, na medida em que, desde que começou, só houve um ano em que as chuvas foram absolutamente acima do normal, que foi 2001, o ano da queda da ponte de Entre-os-Rios.
Mas, continuou, “depois houve logo em 2003, 2005 uma seca severa e a deste ano está a ser ainda mais severa”.
Para se manter a qualidade de vida atual e sobreviver a estes mínimos históricos, Dionísio Gonçalves defende a necessidade de estudos e planos de adaptação às novas condições, que implicam “mais cuidado a utilizar as disponibilidades hídricas”.