O Douro foi um território que se abriu ao mundo com a classificação pela UNESCO há 20 anos, mas a distinção trouxe constrangimentos e é preciso assegurar a sustentabilidade social dos agricultores, segundo vários depoimentos.
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) apresentou no Peso da Régua, distrito de Vila Real, o programa das comemorações dos 20 anos da classificação do Alto Douro Vinhateiro (ADV) como Património Mundial da UNESCO.
Para o presidente da Câmara do Peso da Régua, José Manuel Gonçalves, “foram 20 anos de muita evolução e de muita transformação”.
Na sua opinião, o “diamante bruto” que era o Douro “abriu-se ao mundo”, mas o caminho foi feito com “dificuldades e com constrangimentos acrescidos que o território passou a ter, nem sempre percetíveis por parte de quem cá vive”.
O autarca disse que é preciso ter em “atenção as pessoas”, a sua sustentabilidade e a sua fixação no território. “Se não houver pessoas não há território e não há paisagem protegida. Este é o nosso maior desafio”, frisou.
José Manuel Gonçalves adiantou ainda que a Régua vai apresentar uma candidatura a Cidade Europeia do Vinho, que pretende que seja do Douro e que ajude a consolidar todo o trabalho que tem sido feito no território.
“Se não acautelarmos o pilar da sustentabilidade social dos milhares de agricultores, dos 19.633 agricultores que diariamente trabalham as vinhas, nós dificilmente continuaremos a ter ADV, zona tampão, Região Demarcada do Douro, seja lá o que for”, afirmou Gilberto Igrejas, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP).
Em 2019, o negócio do vinho representou 570 milhões de euros no Douro, tendo-se registado uma quebra de cerca de 50 milhões de euros em 2020 e uma “recuperação em 2021 em relação a 2019”.
“Nós estamos a vender mais e a vender mais caro, estamos a ter mais valor, mas é preciso que esse valor que estamos a colocar nas nossas garrafas, nas nossas exportações, chegue também aos agricultores”, frisou.
Para o diretor do Museu do Douro, Fernando Seara, a “data assinala 20 anos de Douro Património Mundial, mas comemoram-se séculos de trabalho na região”.
“Viver melhor no Douro parte exatamente por resolver estes problemas sociais e a sustentabilidade social da região que é fundamental e ela está intimamente ligada às pessoas que cá vivem e às pessoas que precisam de vir para cá viver”, referiu.
No próximo ano o museu vai promover uma exposição de fotografia do ADV do professor António Barreto, na Assembleia da República, inaugurar o Centro de Artes do Saber Fazer (Crivo) e reeditar o concurso Internacional de fotografia do Douro.
Luís Pedro Martins, do Turismo do Porto e Norte, disse esperar que as comemorações sejam uma oportunidade de reforçar “a preservação da paisagem, a estética do que é aqui edificado e a sustentabilidade ambiental” e frisou que “no Douro os pormenores contam mesmo”.
O responsável adiantou que a entidade de turismo vai contribuir para as celebrações com uma campanha de marketing no aeroporto do Porto, e apoiando a realização de um concerto sinfónico nas vinhas e de um evento de ciclismo que vai percorrer todo o Douro, entre a nascente, em Espanha, até à foz no Porto.
A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) associa-se para ajudar a pensar o território para 2041. “Queremos desenvolver um programa de apoio, em conjunto com a CCDR, de momentos reflexivos não apenas na UTAD, mas no territórios e nas várias realidades”, afirmou o investigador Ricardo Bento que apontou ainda o desafio da demografia neste território.
Segundo a CCDR-N, em duas décadas o Douro perdeu mais de 30 mil habitantes, registando atualmente cerca de 190 mil habitantes, dos quais um quarto com idade superior a 65 anos.
A Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) vai ajudar a promover o encontro “Por Amor ao Território”, que vai juntar ligas de amigos e associações civis, e um outro evento que vai bordar a temática “abordar as flores e os espinhos da classificação”.
Isto porque, segundo a diretora regional Laura Castro, a “classificação é um instrumento poderoso, mas é em si mesmo um instrumento também de tensão” e com “ vantagens, mas sobretudo condicionamentos”.
Por fim, o presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Douro, Carlos Silva Santiago, quer ir "para além da festa". “Estamos constantemente a comemorar o Douro e a fazer pouco pelo Douro”, frisou.
“Temos que pegar nestes 20 anos, fazer uma reflexão do quanto nós evoluímos, mas quanto nós podíamos evoluir mais se tivéssemos a oportunidade que os grandes centros urbanos têm”, salientou.
Lembrou ainda as reivindicações locais como a eletrificação e a reativação da linha do Douro a Barca d’Alva, o Itinerário Complementar 26 e o investimento na Via Navegável do Douro, projetos que não avançam, mas apontou que já se fala em mais pontes para Porto e Lisboa ou na extensão do metro nestas cidades.