O historiador João Pedro Marques afirmou hoje à Lusa que a emigração sempre foi o fardo do português, num país sem condições para dar hoje oportunidades à sua população, tal como no século 15.
João Pedro Marques, doutorado pela Universidade Nova de Lisboa sobre a atitude dos portugueses face à abolição do tráfico de escravos, encara \"com pena, compreensão e ironia\" a recente vaga de emigração para países como o Brasil ou Angola, em particular por parte dos mais jovens.
O autor do recente \"Uma fazenda em África\" explicou, por partes: \"Com pena, porque para uma geração inteira, ou duas, de jovens, isto é um terrível sacrifício. Não há condições no país, ou há poucas condições no país, para que possam fazer uma vida aqui e têm que ir embora\".
Em simultâneo, com compreensão, porque \"olhando historicamente para isto, este foi o fardo do português desde sempre\", sendo «Portugal um país pobre», de onde desde o século 15 que as pessoas emigram.
\"É um país tão pobre que os pescadores se dispunham a ir para a pesca do bacalhau na Terra Nova, que é uma coisa lancinante. No século 19, a emigração era de enorme dimensão, porque o país também não tinha condições para lhes oferecer\", afirmou João Pedro Marques, numa conversa com a Lusa à margem das Correntes dEscritas, na Póvoa de Varzim.
Por seu lado, a ironia advém do facto de, \"na altura [século 19], não se conseguir levar as pessoas para África\", por haver um nível de mortalidade muito elevado devido às doenças tropicais, algo que só veio a atenuar-se com a introdução do quinino, já em finais do século 19.
\"Hoje em dia, África é escolhida porque tem muitas oportunidades para gente qualificada, uma língua comum. É irónico, o Sá da Bandeira, que andou aqui tanto tempo, décadas a martelar esta história da emigração, acaba por conseguir agora, por linhas tortas, aquilo que não conseguiram no século 19\", sublinhou o historiador.
Segundo João Pedro Marques, havia no século 19 três visões distintas daquilo que era África para os portugueses: a entusiasta, aquela que dizia que África seria o \"sepulcro do europeu\" e a visão dos \"monumentos da antiga glória\".
Os adeptos da primeira pensavam que \"África estava carregada de riquezas e que era facílimo explorar aquilo e que brotaria de lá um manancial de riquezas praticamente interminável\", enquanto os pessimistas afirmavam que o continente podia \"ser potencialmente muito rico, mas era um sepulcro\" pelas doenças que lá existiam.
A terceira perspetiva, dominante na sociedade portuguesa, de acordo com o antigo presidente do conselho científico do Instituto de Investigação Científica Tropical, acreditava que, mesmo sendo incolonizável por falta de meios, África \"nunca poderia ser abandonada\", porque estava lá o sangue dos antepassados portugueses.
Esta última visão fez-se sentir até tarde, havendo, por exemplo, na Assembleia Nacional, deputados como Casal-Ribeiro para quem o Brasil \"nunca se devia ter tornado independente\".
Ainda assim, João Pedro Marques acredita que Portugal mantém \"uma relação muito positiva e fértil com esse mundo\" das antigas colónias, no período posterior à independência.