O Tribunal de Bragança condenou hoje uma empregada a uma pena suspensa e dois médicos psiquiatras a multas, no caso do casamento e testamento de um idoso com uma fortuna avaliada em dois milhões de euros.

A arguida, de 59 anos, foi condenada a dois anos e oito meses, de pena suspensa por igual período, por um crime de sequestro, por ter levado o idoso de casa apesar das indicações em contrário da filha, nomeada tutora, bem como a pagar 840 euros, correspondentes a 70 dias de multa, por uso de atestado falso.

Os clínicos, de 74 e 73 anos, têm que pagar 8.000 e 6.000 euros, respetivamente, de 200 e 120 dias de multa, por atestado médico falso e falsas declarações.

No banco dos réus estavam ainda uma psicóloga e uma oficial de Registo Civil, que foram absolvidas, por não ter ficado provado que agiram com dolo.

O caso começou em 04 de maio de 2017, quando a empregada casou com o patrão, com 101 anos, no Registo Civil de Ribeira de Pena, Vila Real, a mais de 150 quilómetros da aldeia de Parada, Bragança, onde moravam.

Dias a seguir ao casamento, a 10 de maio de 2017, deslocaram-se a Vieira do Minho, Braga, para lavrar um testamento que tinha como beneficiária a empregada.

O idoso morreu dois meses depois e tinha uma fortuna avaliada pelo tribunal em cerca de dois milhões de euros.

O casamento e o testamento foram já anulados pelo tribunal, sendo dado como provado que o idoso padecia de demência. Foram agora a julgamento os factos que permitiram que fossem realizados.

Na leitura do acórdão, o juiz presidente do coletivo referiu que o processo tem “muita factualidade e muito densa” e que “não é particularmente simples em termos de direito”, mas mostrou convicção que a história, “muito embrulhada”, teve como “atriz principal” a empregada.

Na acusação do Ministério Público (MP), a que a Lusa teve acesso, lê-se que a empregada, que trabalhou para a família por mais de 30 anos, atenta à idade e ao património do patrão, “formulou um plano com o intuito de contrair casamento (…) e lograr que aquele outorgasse testamento a seu favor, de modo a conseguir tornar-se sua herdeira (…)”. Era cuidadora do idoso pelo menos desde 2010, foi referido em tribunal.

O MP entendia que os médicos que elaboraram relatórios e prestaram declarações sobre as faculdades mentais do idoso à época dos factos, em 2017, não relataram a verdade.

O idoso foi dado pelos arguidos como capaz para decidir sobre a sua pessoa, bens e património, quando, lê-se no despacho de acusação, estava fora das suas faculdades pelo menos desde outubro de 2011.

Foi feita uma alteração não substancial nos crimes e falsas declarações, que passaram de como sendo com dolo direto para dolo eventual. A principal arguida respondia ainda por mais dois crimes de sequestros, dos quais foi absolvida.

O coletivo referiu que a empregada “assistia dia após dia à debilidade [do idoso], devia saber que ele já não tinha capacidade para gerir a sua própria pessoa e bens”.

Quantos aos psiquiatras, o tribunal apontou que “estão em causa dois peritos que foram chamados para um determinado ato por ter essa ‘expertise’ [competência]”, mas que fizeram um trabalho insuficiente.

O tribunal ordenou ainda a extração de duas certidões para apurar eventual intervenção de duas advogadas, que poderão ter de algum modo ajudado a principal arguida.

No final da sessão, a família do idoso e advogada de acusação, disseram que “de forma global, o acórdão correspondeu às expectativas”, mas referiram que ainda vão avaliar um eventual recurso.

A advogada de defesa não quis prestar declarações.

Eram pedidas pela família ainda indemnizações, uma no valor de 1.000 euros por danos patrimoniais e cerca de 120 mil euros por danos não patrimoniais, que foram dadas como improcedentes.

A antiga empregada tem mais processos-crime a decorrer no tribunal de Bragança, interpostos pela família do patrão.



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