Desemprego e Schengen. Duas palavras que, acopladas a uma terceira - remessas - deitam por terra a ideia moderna de que Portugal é hoje um país de imigração. Não é só. É também, pelo menos tanto, um país de emigração.
Cada vez mais, aliás, a acreditar nos últimos números disponíveis. E essencialmente para ausências temporárias. Como a que esta semana encheu os telejornais, envolvendo trabalhadores alegadamente explorados na Holanda.
O que mudou, isso sim, foi a face da emigração como ela era conhecida. As partidas para o outro lado do Atlântico são residuais e limitam-se aos EUA e ao Canadá. Do lado de cá, mudaram de rumo, com uma excepção a França. É, ainda hoje, o país de eleição.
Das cerca de 27 mil partidas estimadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), 7400 foram para França, mas, ao contrário do que sucedia desde a década de 1960, mais de 88% destes emigrantes aparecem nos números como temporários. Um tipo de emigração que, de resto, corresponde a 75% do total das partidas e a 76% dos que elegem o destino Europa (25250). Até 1984, vencia a emigração permanente. Desde 1994, lidera claramente a temporária.
O peso das fronteiras
Mudança de atitude? Talvez não. Será mais uma adaptação geopolítica. \"O que transforma o emigrante temporário em permanente é o actor fronteira\", explica-nos o sociólogo Rui Pena Pires. Porque, para um estrangeiro, pode significar um obstáculo ao regresso ao país de acolhimento. Ora essa é uma questão que, na Europa, já não se coloca desde o acordo de Schengen, em vigor a partir de 1995. O fim das fronteiras internas facilita o carácter experimental das migrações. Além disso, há que ter em conta a sazonalidade de muito do emprego oferecido a estrangeiros na Europa, no turismo, na agricultura e na construção. \"Só regressam a Portugal porque não arranjam empregos fixos e sem emprego ficariam pior lá do que ficam cá\".
Rui Pena Pires alerta, contudo, para a reduzida fiabilidade das estatísticas. Por um lado, uma parte dos emigrantes que surgem como temporários são-no apenas enquanto o título de imigração que o país de acolhimento lhe outorga não passou a definitivo (casos das autorizações de residência). Depois, as contas do INE não resultam de registo administrativo, até porque o fim das fronteiras foi também o dos registos de saída. Os 27 mil emigrantes de 2003 são a projecção \"mínima\" a partir de amostras ouvidas em inquérito.
\"É provável que em certos anos o número real ande próximo dos 50 mil. Devem estar a sair tantas pessoas quantas entram\". E há que somar-lhes as \"migrações pendulares transfronteiriças\", como as dos trabalhadores que passam a fronteira todos os dias ou todas as semanas para trabalhar em Espanha.
O certo é que a curva dos números, real ou ilusória, acompanha a do desemprego. E os relatos dos trabalhadores não deixam margem para dúvidas. António Gomes, 23 anos, já esteve duas vezes na Holanda desde Junho. \"Estava desesperado, desempregado. Sentia-me inútil\". Desistiu de tentar a sorte em Portugal depois de sucessivos falhanços. Miguel Rodrigues, sem emprego e sem subsídio por sobreviver na ilegalidade fiscal, está na Holanda desempregado. Luísa Torres, ela, foi do desemprego português para o britânico e, depois de um interregno, regressou para o português, mais o marido. Também por várias vezes. A história repete-se, mudam apenas os rostos.
A prova dos nove
Se mais dúvidas houvesse, atente-se agora nos números do Banco de Portugal as remessas dos emigrantes portugueses são cinco vezes superiores às que os imigrantes fazem sair de cá. Chegaram aos 2277 milhões de euros no ano passado, 60% dos quais vindos de França e da Suíça (seguidas dos EUA, da Alemanha e do Reino Unido, país de onde as transferências eram insignificantes há 15 anos). E os dados de 2006 fazem crer numa subida. Os números ainda estão longe dos mais de 3700 milhões de 2001, ano recorde nas décadas recentes, mas são reveladores de uma tendência de retoma da emigração: baixaram nos anos 70 e voltaram a subir após os anos 80. Com uma particularidade, explica o sociólogo: quanto mais permanente se torna um emigrante, menos tende a mandar o produto do trabalho para um sítio onde dificilmente voltará a viver. Ou seja, não é dinheiro de emigrante fixado, mas sim daquele que vai tentando a sorte no estrangeiro por períodos. O temporário.
Duas semanas de férias e as facilidades de uma companhia aérea de baixo-custo serviram para matar as saudades do Porto, da família, dos amigos. Daí a nada, Fernando Vidal, a mulher e as duas filhas menores estavam de volta a Portadown, na Irlanda do Norte. A terra que lhe deu - como repetidas vezes o diz - \"aquilo que em 29 anos de vida nunca tive em Portugal\". Enquanto espera pela sua vez no \"check-in\" do aeroporto Francisco Sá Carneiro, Fernando Vidal dá graças por ter conseguido, há dois anos atrás, vencer a indecisão de emigrar. Na ocasião, estava desempregado e desesperado, depois de ter perdido um emprego onde ganhava apenas 400 euros por mês. \"O meu irmão já trabalhava numa empresa de produtos alimentares em Portadown e desafiou-me\", recordou. Ganhou coragem e partiu. Estava de volta cinco meses depois para buscar a família. Hoje, vive naquela pequena cidade da Irlanda do Norte, onde não tem os dias solarengos da terra natal, nem o mar tão próximo, nem a vida prazenteira que tinha por cá. Mas tem 210 libras por semana de ordenado, que lhe permitem pagar a renda da casa e alimentação e poupar algum, com a mulher apenas a tomar conta do lar. \"Ter emigrado foi o melhor que podia ter feito. Lá, olham mais para o cidadão, apoiam as famílias, a segurança social é bem mais generosa\", reconheceu. Regressar de vez? \"Agora só quando for reformado, não quero voltar para Portugal\", afirma, convicto. Graças aos baixos preços praticados pela Ryanair, planeia vir - quando isso for possível - passar alguns dias de descanso à sua terra natal. Na mesma fila, um pouco mais à frente, António André, 37 anos, aguarda pacientemente a sua vez para fazer o \"check-in\" para um voo que o levará de volta a Waterford, na Irlanda do Norte. A escassas dezenas de quilómetros, em Vila do Conde, deixara a mulher e o filho de 9 anos. Agora, havia que regressar à pesca do lagostim, nas águas frias do Atlântico Norte. \"Aqui em Portugal a vida no mar é impossível\", explicou, recordando as semanas a fio que por cá passava sem trabalho e sem dinheiro. Foi esse mesmo pensamento que, há dois anos, o empurrou para a companhia de um cunhado e outros portugueses que, igualmente, pescam em Waterford. Ali, vive no barco em que trabalha. Habitualmente, faz duas fainas no mar, com a duração de cinco dias cada. Passado esse tempo, tem direito a três ou quatro dias de descanso. \"Quando posso, aproveito as viagens económicas das companhias de baixo custo e venho ver a família\", revelou. O regresso definitivo a Portugal não parece estar, de momento, nos seus planos. \"Para ganhar dinheiro temos de ter coragem e deixar Portugal\". E conta experiências de trabalho anteriores \"Já estive também em Marrocos, mas os melhores tempos foram os três anos em que trabalhei na Holanda\".