O Entrudo tradicional tem o futuro assegurado pelas novas gerações, embora resista apenas nos meios rurais, em algumas zonas de Portugal, na opinião de investigadores contactados pela Lusa.

"Manter-se-ão pelo menos enquanto houver gente nos meios rurais. Naturalmente que o despovoamento a que vimos assistindo é também uma dificuldade acrescida a que se mantenham", considerou Alexandre Parafita, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Segundo o etnógrafo, nos meios rurais as novas gerações "reveem a sua identidade cultural nestas manifestações", preservando-as, de tal forma que continuam a atrair turistas.

"Muitos povos continuam a deslocar-se para estes meios rurais para assistirem aos mais antigos rituais de Entrudo. E alguns, enquanto modelos ativos de património cultural imaterial, figuram como importantes cartazes de turismo cultural", frisou.

Alberto Vieira, historiador madeirense do Centro de Estudos de História do Atlântico, lamentou que a "vergonha" de manter o Entrudo tradicional tenha levado ao desaparecimento de muitas tradições, mas considerou que há uma mudança de mentalidades atualmente.

"Lamentavelmente, só no tempo presente é que há uma valorização do que é genuíno e popular. No passado, tivemos uma tendência a negar o que era nosso e de aceitar de forma aberta aquilo que era dos outros e foi um pouco isso que aconteceu nos anos 70, não só no Carnaval, mas nas tradições festivas mais importantes", salientou.

O Entrudo português influenciou o de outros países colonizados, como o Brasil, mas hoje é o Carnaval brasileiro que domina as manifestações mais mediáticas em Portugal.

"O Carnaval português, tal como o vemos nas grandes urbes, é o resultado de uma miscenização civilizacional que colhe influências de outras carnavais do mundo, especialmente do Brasil, pelo que nada de muito substancial o diferencia dos demais", salientou Alexandre Parafita.

"Para muitas gerações o Carnaval já não é aquilo que era antigamente o Entrudo, mas é isto que estamos a viver, que é no fundo uma cópia, por vezes mal alinhavada, do Carnaval brasileiro", lamentou Alberto Vieira.

É no nordeste transmontano, no interior do país e nas ilhas que se encontram algumas das mais tradicionais comemorações.

"O nordeste transmontano é claramente a região onde se mantêm as formas mais originais do Entrudo em Portugal, em especial com as figuras dos caretos de Podence, Ousilhão, Baçal, Varge, Vilas Boas e Salsas", defendeu Alexandre Parafita.

Segundo o etnógrafo, os caretos transmontanos utilizam "máscaras demoníacas", que impõem "um misto de terror e diversão", apresentando "evidentes semelhanças com as divindades das festas Lupercais romanas", em honra do deus Pã, também conhecido por Fauno Luperco.

Outras manifestações mais dispersas pelo país são inspiradas nas celebrações em honra de Saturno, deus da agricultura, em que era permitido que o poder dos senhores passasse provisoriamente para os escravos.

"Era um tempo de inversão, prazer e exagero, em que estes passavam a ser livres, nas palavras e nas ações, podendo expor publicamente os seus senhores, criticando-os e pregando-lhes partidas", explicou o investigador da UTAD.

Em Podence (Macedo de Cavaleiros), por exemplo, os caretos, com "máscaras de lata, chocalhos à cintura, fatos de franjas de cores garridas feitas de linho e lã, percorrem os cantos da aldeia, entram e saem pelas janelas das casas e alpendres, trepam aos telhados e arrastam para a rua as raparigas indefesas sujeitando-as ao barulho das chocalhadas e ensaiando com elas rituais eróticos".

Em Santulhão, Vimioso, realiza-se o "julgamento do Entrudo", uma alegorização do Entrudo e do seu clã familiar, com bonecos de palha, depois queimados em praça pública, que visa "responsabilizá-los pelas desgraças do inverno".

Também em Paradinha Nova (Bragança) se constroem bonecos de palha, que são colocados em árvores e destruídos à paulada e, em Pinela, é construído um boneco que depois se esconde numa casa. Quando é encontrado, os donos têm de dar de comer aos habitantes da aldeia, que no final o queimam.

Em Viseu, há caretos, com máscaras esculpidas em madeira de amieiro, em Lazarim (Lamego), enquanto em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, se realiza a "dança dos cus", em que a população dança uma valsa pelas ruas batendo com os traseiros nos dos vizinhos.

Na Madeira, no fim de semana antes do Entrudo há Festa dos Compadres, no concelho de Santana -- um confronto entre bonecos (o compadre e a comadre), que trocam acusações e no final são queimados como punição, aliviando as tensões sociais.

Na terça-feira de Carnaval, o Cortejo Trapalhão percorre as ruas do Funchal, exibindo disfarces e críticas sociais. Na primeira metade do século XX, este cortejo incluía uma batalha de ovos, farinha, água, serpentinas e 'confetti', o que ainda se mantém na ilha de São Miguel, nos Açores, apenas com água, na chamada Batalha das Limas.

Também nos Açores, na ilha Terceira, o Carnaval é comemorado com danças e bailinhos, em que grupos de músicos e atores amadores percorrem palcos de toda a ilha, atuando de forma gratuita, com textos em rima e, na maior parte dos casos, com humor e crítica social.
Foto: António Pereira



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