Quase 50 anos depois de percorrer diariamente as serras com as suas cabras, Agostinho Botelho, de Ermelo, Mondim de Basto, é um dos pastores desta área protegida que está a ser homenageado pelo Parque Natural do Alvão.
Agostinho Botelho, hoje com 65 anos, disse à agência Lusa que começou a percorrer as serras aos nove anos com as cabras da sua família, numa altura em que "não havia estudos, nem televisão".
"Não havia mais nada para fazer e tínhamos que ajudar a sustentar a família", afirmou, acrescentando que, quando se iniciou a florestação do concelho de Mondim de Basto, nas décadas de 1940 e 1950, os pastores viram a sua actividade ficar prejudicada.
Na altura, não deixavam entrar as cabras nas áreas florestadas, muitos pastores tiveram que desistir da sua actividade e por isso mesmo, aos 17 anos, Agostinho Botelho começou a trabalhar na agricultura e chegou mesmo a passar por uma mina de ferro em Lisboa.
Segundo disse, mais tarde regressou a Ermelo, comprou um novo rebanho, casou, e teve 12 filhos.
"Tive sempre que trabalhar muito para sustentar os meus filhos, todos eles vivem bem agora, estão espalhados pelo país e pelo estrangeiro", referiu.
Adiantou ainda que apenas foi à escola, à noite, "para conhecer as letras", quando já tinha 21 anos.
Diz nunca se ter arrependido de ter regressado à serra, que afirma adorar percorrer com o gado, sem nunca sentir a "solidão".
"Passamos dias quase inteiros praticamente sozinhos e temos apenas como grandes amigos os cães e o gado, que adoramos como se fossem nossos filhos", salientou.
Por tanto gostar do gado, é também um inimigo dos lobos, que "quando podem matam as cabras e dão muitos prejuízos, tudo numa questão de segundos".
Como Agostinho Botelho existem muitos outros pastores na Serra do Alvão, que todos os dias, "faça sol, chuva ou neve", têm que sair de casa para alimentar o gado, maioritariamente a cabra bravia, uma raça autóctone que está em risco de extinção.
Os percursos variam do Verão para o Inverno, tanto em termos do tempo que demoram, como dos sítios que são percorridos pelos pastores.
Para estes homens e mulheres, a serra já não tem segredos e é, pelo seu "importante papel na conservação na natureza", que o Parque Natural do Alvão (PNA) os está a homenagear com a realização de uma exposição, que vai estar patente ao público na sede do PNA, em Vila Real, até 31 de Dezembro.
A exposição o "Pastor do Alvão" retrata a actividade da pastorícia no passado, presente e no futuro, e do contributo desta actividade profissional para a preservação da cabra bravia, espécie que, segundo dados da Associação Nacional de Cabra Bravia (ANCABRA), tem apenas 9.200 fêmeas adultas em todo o país.
A exploração deste animal processa-se na maior parte dos casos de forma tradicional e a cabra desempenha ainda um papel importante para a limpeza das matas e na prevenção de grandes fogos florestais.
Em exposição estão ainda os trajes tradicionais dos pastores, a croça de palha, que ainda serve para proteger da chuva, o cajado, o chapéu de palha, o saco da merenda, a navalha e as polainas, também de palha, para proteger as pernas.
Henrique Pereira, director do PNA, referiu que, para os grupos escolares, está ainda prevista a participação em oficinas e jogos ambientais e a possibilidade de assistir a um pequeno filme que retrata o quotidiano do pastor e do seu rebanho.
Poderão ainda deslocar-se à área do Parque e contactar directamente com esta realidade, a partir dos Núcleos de Técnicas Tradicionais, nomeadamente com as actividades lúdicas e artesanais que o pastor realizava enquanto permanecia na serra a pastorear os seus animais.
Esta exposição está inserida num projecto de sensibilização ambiental do Parque Natural do Alvão a ser desenvolvido com as escolas de Vila Real e Mondim de Basto, através dos centros de informação e interpretação instalados nestes concelhos.
Segundo Henrique Pereira, em Mondim de Basto está patente outra exposição que fala do Rio Olo, principal linha de água que atravessa o PNA e cuja existência condiciona e influencia a vida neste parque natural.
O seu percurso, a sua adaptação à geologia existente, as espécies florísticas e faunísticas que dele dependem, o seu papel na agricultura e as agressões a que está sujeito e que podem por em causa o seu equilíbrio, são algumas das questões exploradas nesta exposição.
Para as escolas que visitarem esta exposição estão previstas algumas actividades práticas, como jogos e oficinas ambientais, relacionadas com o ciclo da água e com as espécies ribeirinhas.