Dez dias antes da passagem de ano, grupos de neopagãos de todo o mundo comemoraram o solstício de 21 de Dezembro, que consideram ser a verdadeira data de nascimento de um novo ciclo.

Os wiccans (membros do Wicca, um sistema mágico-religioso criado por Gerald Gardner e que se assume como herdeiro de várias tradições de bruxaria neopagã) consideram que o verdadeiro nascimento do ano acontece no dia 21 de Dezembro, que além de ser o mais pequeno do ano é também aquele em que o sol se encontra mais perto da terra.

Enquanto o calendário gregoriano em vigor é eminentemente astronómico e com finalidades religiosas, económicas e sociais, os wiccans seguem um esquema de divisão do ano de características iniciáticas, inspirado no calendário natural, que lhes permite manter um constante esforço de desenvolvimento espiritual e humano.

Esse desenvolvimento, acreditam, baseia-se numa interacção permanente com a realidade natural que os rodeia, procurando que a evolução da sua alma se faça não com base em princípios meramente abstractos, como na maioria das religiões monoteístas, mas em marcos concretos baseados nos ciclos de metamorfose da Natureza.

Gilberto de Lascariz, magister do Projecto Karnayna (uma organização de estudos e debates esotéricos com ênfase no neopaganismo), referiu à Lusa que o ano wiccan é marcado por oito momentos fundamentais de crise e transformação sazonal, os Sabbaths, festejados nos solstícios e nos equinócios, através de rituais celebrados a solo (pelos wiccans "solitários"), ou em grupo (nos covens, comunidades iniciáticas que obedecem a determinados usos e costumes de trabalho mágico-religioso).

"Não se trata apenas de celebrar os rituais como se fossem cerimónias vazias ou como quem vai à missa. Em cada um dos sabbaths, o wiccan recebe impulsos iniciáticos para o seu auto-crescimento e lança a si próprio desafios de desenvolvimento espiritual, de forma a integrar todos os níveis da pessoa humana, num trabalho simultaneamente interior e exterior", referiu.

Daí que, para este wiccan, os rituais tenham obrigatoriamente três vertentes: "a meditativa, no contexto da auto-análise e introspecção mística; a ritual, que obedece a determinadas regras mágico-religiosas apoiadas nos ciclos lunares, solares e zodiacais; e a vivencial, que faz com que a pessoa mantenha vivo o impulso evolutivo recebido em ritual no contexto da sua vida quotidiana".

Dentro desta lógica de utilização de marcos cósmicos e terrestres ligados a processos cíclicos anuais da natureza, seguindo os velhos ritmos agrícolas e cinegéticos, os wiccans celebram o Ano Novo no "Yule", a 21 de Dezembro, dia em que a natureza desperta depois de um ciclo de imersão nas sombras e no mundo nocturno.

Nesse dia a Deusa Mãe dá à luz o Deus Cornígero, que havia morrido no Halloween, e põe termo a um limbo de quase dois meses que funciona como que um limiar entre os mundos dos mortos e dos vivos, fechando o portal dos primeiros e abrindo o dos segundos.

Nesse período, refere Gilberto de Lascariz, vêm à superfície os poderes mais sombrios e antigos da natureza, como a própria tradição germânica e teutónica atesta nos vários mitos da Caçada Selvagem que em Portugal pode ser revista na Festa dos Rapazes e na de Santo Estêvão, na região de Bragança, em que os jovens têm direito a inverter todas as lógicas sociais dominantes, numa subversão quase selvagem dos valores instituídos.

Depois destes quase dois meses de inversão dos mundos, o ano renasce com o Deus Sol Cornígero - como sinal da sua emanação natural, estes Deuses Wiccans têm cornos, os do Deus são mais proeminentes, semelhantes aos do cervo, e os da Deusa mais discretos, numa espécie de meia lua cingindo-lhe a testa.

Gilberto de Lascariz sublinha o facto da Igreja católica ter ido buscar a origem do seu Natal e mesmo do Ano Novo a estas origens pagãs, recordando que a maioria dos velhos deuses nascia, de acordo com vários panteões, no solstício de Inverno, a 21 de Dezembro.

"A escolha do dia 25 de Dezembro para o Natal deve-se apenas a um erro dos matemáticos a quem Júlio César mandou substituir o velho calendário lunar do Rei Numa por um solar, colocando o solstício do Inverno naquele dia", referiu Lascariz.

"Durante séculos o solstício foi celebrado com quatro dias de atraso, mas quando foi instituído o calendário gregoriano o erro foi emendado - tendo-se, apesar disso, mantido o Natal a 25", acrescentou.

Ou seja, na opinião deste wiccan também Jesus nasceu no "dia de todos os Deuses", 21 de Dezembro, sendo a Natividade festejada a 25 apenas por um erro matemático e astronómico.

"A própria gruta onde se diz que Jesus nasceu em Belém, situada sob a Basílica da Natividade, foi berço do nascimento do deus Tammuz. Estes aspectos, como vários outros festejos típicos do Natal - a mesa posta toda a noite, como oferta aos antepassados - foram todos importados pelo Cristianismo das velhas tradições babilónicas, romanas, teutónicas e germânicas", refere Gilberto de Lascariz.

O Wicca foi fundado nos anos 40 pelo britânico Gerald Gardner, que durante anos estudou o folclore das Ilhas Britânicas, tendo sido um dos fundadores da Folclore Society, e os sistemas mágicos do Oriente e de Inglaterra - diz-se que foi iniciado num coven de bruxaria tradicional - assim como as tradições da Co-Maçonaria.

Recolhendo contributos de todas estas tradições, Gardner fundou um sistema iniciático mágico-religioso que valoriza um processo de metamorfose da alma em função das próprias transformações da Terra.

O Wicca tem fortes conotações ecológicas - "vários membros do Greenpeace são wiccans", garante Lascariz - e usa como símbolo diferenciador um pentagrama, em sinal do ser humano realizado e da harmonia do espírito com a matéria e os seus quatro elementos (água, ar, terra e fogo).

Portugal é um dos países não anglo-saxónicos onde o Wicca tem, percentualmente, maior implementação, estando mesmo à frente de países como Espanha ou França.



PARTILHAR:

Ministério Público continua a investigar

Faleceu Mário M. Félix