A companhia Filandorra vai percorrer 3.000 quilómetros nas próximas duas semanas, no interior Norte, para “Contar e Cantar Abril”, um espetáculo de teatro e música que revive a ditadura, a clandestinidade, a emigração e a guerra colonial.
Esta viagem no tempo incorpora também a visão o diretor da Filandorra Teatro do Nordeste, David Carvalho, sobre o dia 25 de Abril de 1974 e os dias pós-revolução.
“O meu pai era cabo da GNR e estava a semear batatas, ali quem vai para Bisalhães [Vila Real]. Pelas 10:30, aparece um jipe da GNR, os colegas gritam que há uma revolução em Lisboa. Ele foi-se embora, não apareceu durante três dias em casa”, contou.
David Carvalho tinha, na altura, 18 anos e referiu que acompanhou com atenção, através da rádio e jornais, tudo o que foi acontecendo e que, em Vila Real, as pessoas saíram para a rua apenas nos dias a seguir, com uma grande concentração popular a acontecer, na Avenida Carvalho Araújo, a 01 de maio de 1974.
“Foi a grande apoteose, a avenida encheu-se”, disse, apontando para uma fotografia sua desse dia no meio da multidão.
Logo a seguir, David Carvalho integrou as brigadas de alfabetização que “levavam a cultura ao interior, forçada um bocadinho”, concluiu com a distância política, histórica e até académica que o tempo trouxe.
“Tinha um bilhete de comboio para andar quando quisesse, tinha o cabelo à Jimmy Hendrix e um casacão verde (…) Às vezes íamos de burro, dormíamos nos palheiros e namorávamos”, recordou, salientando que trouxe um pouco da sua experiência para o espetáculo que a companhia preparou para celebrar os 50 anos da revolução.
“Estou a viver isto com se fosse memória”, afirmou o diretor, hoje com anos 68 anos.
Para construir o projeto “Contar e Cantar Abril”, a Filandorra documentou-se com depoimentos de pessoas que viveram de perto a revolução, com fotografias e notícias de jornais.
O espetáculo narra, através de uma personagem de 12 anos que se chama Liberdade, o antes do 25 de Abril, o dia 25 de Abril e a festa da revolução que se seguiu, revivendo a ditadura salazarista e os limites à liberdade de expressão, a clandestinidade, os movimentos anti-regime, a emigração clandestina e a guerra colonial e, depois, a liberdade e a democracia.
A performance teatral que conta os “50 anos no caminho da liberdade” intercala com canções de intervenção da época.
David Carvalho referiu que a companhia vai andar em digressão durante duas semanas pelo interior do Norte do país, percorrendo aproximadamente 3.000 quilómetros, de Penedono, onde começou a viagem na sexta-feira, a Carrazeda de Ansiães, Macedo de Cavaleiros, Vinhais, Régua, Vila Real, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar Miranda do Douro e Vila Nova de Foz Côa, onde termina a 28 de abril.
O dia 25 de Abril será passado “no Portugal profundo”, entre Freixo de Espada à Cinta e Figueira de Castelo Rodrigo.
Durante duas semanas, a Filandorra vai realizar 25 espetáculo para o público escolar, alunos e professores, e a comunidade em geral, fazendo, pelo meio, arruadas pelos centros das vilas e cidades.
“O teatro vem mesmo para a rua”, realçou David Carvalho e, com ele traz o “detalhe das calças à boca-de-sino, as roupas de lãs coloridas, os cabelos longos”, salientando o “rigor absoluto” para os mais velhos se reverem ao espelho .