Às grandes fogueiras natalícias que aquecem os transmontanos a partir da noite de consoada juntam-se outras tradições que se repetem de ano de ano, como o "Natal dos mortos", que faz uma evocação dos antepassados.
São várias as aldeias e vilas transmontanas que fazem as "murras" ou fogueiras de Natal. Esta é uma das principais tradições da quadra que se tem mantido na região.
Por exemplo, em Alijó, no distrito de Vila Real, o monte de lenha já foi colocado no centro da vila, entre o plátano centenário, o chafariz e a igreja matriz.
A presidente da junta de Alijó, Lina Carvalho, disse à agência Lusa que este foi um trabalho que juntou funcionários desta autarquia e da câmara municipal e que foram precisas máquinas para levantar os grandes madeiros.
"É uma tradição que fazemos questão de manter. Depois do jantar de consoada e antes da missa do golo, as pessoas juntam-se à volta da fogueira", contou.
Alexandre Parafita, etnógrafo e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), disse hoje à Lusa que "o culto dos mortos está ainda presente em muitas tradições natalícias transmontanas".
"Algumas, especialmente em comunidades rurais do norte do distrito de Vila Real, são suportadas pela crença de que, na noite de Natal, os mortos da família regressam às casas que habitaram em vida para participarem na reunião familiar", referiu.
Na noite de consoada, acrescentou, "sentam-se à mesa os familiares vivos, mas o espírito de todos os familiares mortos vem também compartilhar do repasto".
"Por isso a mesa não é levantada até à primeira refeição do dia seguinte, porque durante a noite os espíritos estão presentes e pretendem alimentar-se. Bem se sabe que a quantidade de alimentos se mantém a mesma, contudo eles alimentaram-se da essência desses alimentos, presente na espiritualidade que é assegurada pelo rigor da tradição", contou.
Daí que, na sua opinião, de geração em geração, a tradição mantenha sempre os mesmos rituais e o mesmo género de alimentos: as batatas, a couve tronchuda, o bacalhau, as filhoses, aletria e rabanadas.
No dia seguinte, os alimentos que sobram serão aproveitados para nova refeição, conhecida por "roupa velha".
Segundo Alexandre Parafita, em algumas aldeias do Barroso, antes de iniciarem o repasto, é hábito algumas famílias rezarem por cada um dos familiares falecidos, como que a convidar o seu espírito para a refeição.
"Há memória de famílias que punham uma cadeira vazia à mesa. Nessa cadeira vazia imagina-se o corpo da pessoa cujo espírito estaria ali representado. E as conversas entre todos decorrem como se ele ali estivesse a participar, apontando-se frequentemente para o lugar vazio", sublinhou.
Noutras comunidades transmontanas, de acordo com o investigador, "também o Diabo tem o seu lugar na tradição do Natal", sendo personificado numa figura sinistra designada por "velho chocalheiro", que sai às ruas no dia 26 de dezembro e também no dia 01 de janeiro.
O mais conhecido é o "chocalheiro de Bemposta". Representa a figura do demónio que, por castigo, após o Natal, anda pelas ruas com os seus chocalhos a balançar no traseiro, pedindo esmola para Nossa Senhora e o Menino Jesus.
Alexandre Parafita referiu que "esta tradição apoia-se numa lenda segundo a qual o demónio tentou seduzir Nossa Senhora quando estava 'de esperanças', a aguardar o nascimento do 'Menino', e, por castigo, foi condenado a pedir esmola para ela e para seu filho".
O produto das esmolas é depois leiloado a favor de Nossa Senhora das Neves, que representa a mãe ofendida.
Lusa, Foto: António Pereira
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