O guineense Braima Dabó apelidou hoje de "momento único" o auxílio prestado ao atleta Jonathan Busby, de Aruba, nos derradeiros instantes da prova eliminatória dos 5.000 metros nos Campeonatos do Mundo de atletismo, no Qatar.
"Não esperava que aquilo viesse a acontecer. Foi um momento único e não tive grande tempo para pensar. Vendo o estado em que ele estava e indo de encontro ao nosso objetivo comum de terminar, resolvi ajudá-lo. Agradeço-lhe por ter não ter desistido quando se começou a queixar de dores", expressou o atleta do Maia Atlético Clube, sobre a prova decorrida na sexta-feira no Estádio Internacional Khalifa, em Doha.
A cerca de 250 metros do fim, o atleta natural de uma pequena ilha das Caraíbas denotou sinais de quebra física e dificuldades em manter-se de pé, tendo o guineense recuado para amparar o adversário e carregá-lo até à meta, sacrificando a sua própria prova.
Após uma receção entusiástica por dezenas de amigos no aeroporto do Porto, Braima Dabó admitiu "sentir-se tranquilo, feliz e em casa" perante uma lição de desportivismo repercutida à escala mundial, adiantando que encontrou um amigo para a eternidade na sua estreia em Mundiais.
"No dia seguinte consegui falar com o meu irmão Jonathan no hotel. A nossa conversa foi curta, mas descobri que ele falava espanhol e deu para agradecer-me de todas as formas. Fiquei orgulhoso por poder cumprir o meu objetivo e ainda ajudar alguém", partilhou.
Braima Dabó, de 26 anos, reside em Bragança e desloca-se aos fins de semana à Maia para treinar sob orientação de José Regalo, que já foi um dos melhores corredores lusos de 5.000 metros e lida desde há dois anos com um "atleta especial".
"Não foi surpresa a generosidade dele, mas o momento em si. Num mundo em que para se ser atleta recorre-se a muita batota, corrupção e malabarismos, o gesto dele vem contrariar isso tudo. Esta lição de um rapaz genuíno e solidário, que se sente muito feliz com pouco, devia chamar-nos à atenção. Tenho 40 anos de desporto e não me lembro de uma situação que tenha ganho tanta notoriedade", recordou.
Quem também não ficou "surpreendido" com a atitude foi Tito Baião, presidente e fundador da organização não governamental "Na Rota dos Povos", que apoia o desenvolvimento dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) fora dos grandes centros populacionais e proporcionou a vinda de Braima Dabó para Portugal em 2011.
"Vemos ali uma capacidade rara de ajudar quem está ao nosso lado. Foi um arrepio muito grande e um enorme orgulho. Gostava que este reconhecimento originasse maior auxílio à nossa organização e, no caso do Braima, que houvesse uma instituição capaz de lhe oferecer um mestrado na área dele, para depois voltar à Guiné-Bissau e montar lá qualquer coisa ligada ao desporto", afiançou.
Natural de Catió, capital da região de Tombali, Braima Dabó pretende agora concluir a licenciatura em Gestão no Instituto Politécnico de Bragança e matar as saudades da família, que já não vê há oito anos, sem descurar o rendimento na pista.
"Conto estar outra vez nos Mundiais e ter uma marca que me permita competir, em vez de ter só aquele objetivo de terminar a prova e bater o recorde pessoal", fixou.