O “mar de pedras” que o escritor Miguel Torga usou para descrever Trás-os-Montes afinal tem pedras do mar verdadeiro encaixadas em terras de Macedo de Cavaleiros como em mais nenhum lugar do mundo.

No Maciço de Morais é possível caminhar sobre um fundo oceânico e percorrer mais de 400 milhões de anos de história da Terra através de uma ”sanduíche” geológica com vestígios de um mar entre dois antigos continentes.

A singularidade deste lugar, associada às tradições e gente, garantiu a integração do concelho na rede mundial de geoparques da UNESCO, com o selo de Geoparque Terras de Cavaleiros atribuído há cinco anos, em setembro de 2014.

“Numa área de cerca de 700 quilómetros quadrados conseguimos ter a sequência completa de uma crusta oceânica e não há nenhuma parte do mundo onde uma área tão pequena tenha esta sequência completa”, vincou à Lusa, o geólogo João Alves.

Esta raridade atraiu o jovem geólogo de 25 anos de Vila Conde para Macedo de Cavaleiros e faz agora parte da equipa de oito técnicos que mostram e explicam as particularidades dos 42 geossítios existentes na zona.

A história que tem despertado o interesse da Geologia nacional e internacional remete para quando, muito antes dos dinossauros, houve o fecho de um oceano primitivo chamado Rheic e o micro continente Armórica e o continente Ibéria.

“A placa oceânica é mais densa, tem tendência a mergulhar, mas aqui há um processo excecional em que a placa oceânica é transportada para cima de um continente, depois segue-se um choque de continentes e encavalitam-se uns sobre os outros”, explicou.

A “sanduíche” geológica não é observável aos olhos dos leigos e, por isso, ao longo dos tempos a população de Morais chamou maldito ao monte onde nada do que plantavam medrava pois, sem saberem, estavam a cultivar o fundo do mar.

Isso ocorre porque, como explicou o geólogo, as rochas oceânicas “possuem muito ferro e níquel, que é um inibidor de crescimento, e as plantas sofrem de raquitismo”.

Era numa daquelas fragas que a “Tia” Maria Luísa e o povo de Lagoa ia lavar as mantas da azeitona e as tripas do porco (para o fumeiro).

Aprendeu a cozer pão muito cedo, mas só depois da criação do Geoparque ganhou fama internacional como a “padeira de Lagoa” que recebe e põe visitantes a amassar para o forno a lenha, que cheira também a calços, roscas ou bolas sovadas.

A “tia” Maria Luísa é um “tesouro” deste território, guardiã de saberes e memórias que partilha com as visitas.

Vende tudo o que coze no forno e com “as migalhinhas” já comprou “um sofá, um armário embutido e outras coisas”.

“Entendo-me muito bem com os estrangeiros. É como a cantiga: não fales, faz-me sinais”, partilha com a Lusa do alto dos 80 anos de boa disposição.

Esta atividade dá-lhe “vida” e o que lhe interessa é “o contacto com as pessoas”.

Nunca imaginou a geração da acarinhada padeira o que as terras em volta guardam e a que os geólogos chamam “Umbigo do Mundo”.

O papel do Geoparque é sobretudo trabalhar para as pessoas e com as pessoas, como indicou a coordenadora, Antónia Morais, salientando que faz parte dos parâmetros de reavaliação a que estão sujeitos por parte da UNESCO de quatro em quatro anos, a primeira, com aprovação, realizada há um ano.

A responsável enumerou as iniciativas que estão em curso como a marca “geofood” que incentiva os restaurantes a incluírem nas ementas produtos locais comprados a produtores do território.

Por todo o concelho há sinalética e são promovidas tertúlias ou passeios pedestres pelos 24 percursos que totalizam 190 quilómetros de trilhos sinalizados e homologados.

Os alunos até ao oitavo ano das escolas do concelho aprendem o que é o Geoparque na disciplina “a nossa terra” e têm uma sala de aula a céu aberto onde podem observar o que estudam.

Ainda assim, esta realidade “foi uma novidade” para a família Ratão, de Sintra, que a Lusa encontrou a visitar a exposição “O Livro da Terra”, com exibição de rochas e minerais.

O pai António é “um apreciador” e já sabia que “esta zona é muito rica”, mas só nesta passagem soube do geoparque.

“As pessoas conhecem é a praia do Azibo”, na opinião do filho Hugo, que se refere a um dos locais mais reconhecidos desta zona e que faz parte do Geoparque.

A coordenadora Antónia Morais reclama “discriminação positiva” com dinheiro para criarem infraestruturas de melhoramento dos acessos e fruição aos geossítios.

A responsável acredita que o estatuto começa a contribuir para fixar jovens como Luis Filipe Costa, de 33 anos, que tem, desde há cinco anos, um negócio, em Podence, a aldeia dos Caretos candidatos a Património da Humanidade.

Começou por fazer máscaras de lata e couro para os caretos, passou para miniaturas, ímanes, porta-chaves, até ao fato completo dos mascarados que vende a 800 euros.

A aceitação e procura têm sido tantas que abriu uma oficina/loja na aldeia e a namorada, a enfermeira Sofia Pombares, começou a ajudar.

Luis Filipe já ganha tanto “em dois ou três meses” de verão como “em oito ou nove meses a dar formação” com lojas de artesanato de Lisboa e do Porto a aumentarem as encomendas.

O casal proporciona também experiências programadas a turistas e é aí que se evidencia a parceria com o Geoparque, na época baixa do turismo, com atividades como “pastor por uma manhã” ou apanha da castanha, a preços entre 10 e 30 euros por pessoa.

“Ainda há muito trabalho a fazer na divulgação”, como reconheceu Benjamim Rodrigues, presidente do município que é responsável pelo geoparque e que está “à procura de parceiros”, entre agentes turísticos e a imprensa, para elaborar pacotes turísticos e fazê-los chegar aos operadores.



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