O Museu do Abade de Baçal, em Bragança, tem expostos até setembro quase 100 ex-votos da Diocese Bragança-Miranda dos séculos XVIII e XIX.
É a primeira vez que um tão grande número destas pinturas que testemunham a fé e o dia-a-dia do povo estão juntas e visitáveis, numa exposição que recebeu o nome de “Segundo uma promessa”.
“Esse foi um dos objetivos desta exposição, conseguir reunir quase uma centena de ex-votos, ou tabuinhas votivas, pela primeira vez. Nos anos 1980 um trabalho do padre Belarmino Afonso, que identificou uma série destas obras, foi o ponto de partida. Em número nunca estiveram tantas obras juntas”, partilhou com a Lusa Jorge da Costa, diretor do Museu do Abade de Baçal.
Hoje os ex-votos têm outras formas, como partes do corpo em cera, uma bengala, uma fotografia ou uma trança de cabelo, mas neste período da História usavam-se pinturas, essencialmente em madeira ou que podiam ser sobre tela ou cartão.
“São pequeninas pinturas que são uma representação pictórica, complementada com texto, de um milagre, de qualquer coisa que foge ao nosso entendimento ou à ciência. Estamos a falar de uma questão de fé”, explicou Jorge da Costa.
As pinturas, que narram o pedido que foi feito ao santo da devoção e a graça recebida, eram entregues aos santuários ou capelinhas, locais também eles associados a milagres, para servirem de testemunho do sucedido.
“A maioria das pinturas não tem propriamente uma grande qualidade artística. Eram encomendadas a artesãos sem grande talento ou técnica. E a verdade é que são muito elementares mas não deixam de nos dar muita informação sobre este período porque, para além de serem um testemunho de fé, são também um testemunho do quotidiano”, segundo Jorge da Costa, que é também curador desta exposição.
Assim, é possível perceber as doenças que afetavam as pessoas, o modo de vestir ou o mobiliário das casas. Nas pinturas aparece representado o vovente, que fez o pedido, o santo que concedeu a graça, num plano superior, separado do terreno, e, no caso de doença, o doente, por norma deitado numa cama de dossel.
Sobre as doenças, algumas surgem com mais frequência.
“Por exemplo, temos a tísica pulmonar, problemas de ossos, vários associados a bebés ou crianças. Mas, muitas vezes, não nos dizem exatamente qual era a doença, sendo designado por “maleita” ou “malina”. São expressões muito interessantes porque estamos a falar de um português do século XVIII”, descreveu Jorge da Costa, acrescentando que, apesar do modo diferente de escrita e até de alguns erros ortográficos, deixam pistas importantes sobre o modo de vida da altura.
Além de doenças, há perigos ou aflições que ficaram imortalizadas nestas pinturas.
“Temos o caso de um ex-voto que representa a viagem de um emigrante para o Brasil em que a meio da viagem o barco sofreu uma tempestade. Noutra situação, um homem que viajava e que, de repente, se depara com uma trovoada repentina e pede auxílio ao seu santo padroeiro. Há ainda referência a uma peste que atacou os animais”, detalhou Jorge da Costa.
Estes testemunhos são pouco conhecidos do público em geral por estarem, em muitos casos, guardadas nas sacristias ou em gavetas e poucas expostas nos locais de culto.
“Encontrámos obras em muito bom estado. Outras nem por isso. Outro dos objetivos desta exposição passa por identificar as obras e chamar a atenção para a importância deste património”, disse Jorge da Costa, acrescentado que as pinturas que necessitavam de conservação foram intervencionadas e que outras, ao longo dos anos e por serem de madeira, poderão ter sido atacadas pelo xilófago (bicho da madeira) e desaparecido.
Foto: CMB