A Fundação Casa do Trabalho de Bragança está há quase um ano à espera de refugiados dos campos da Grécia, que Portugal se comprometeu a acolher, sem que até hoje tenha encaminhado alguém para esta instituição.
O responsável José Bento explicou à Lusa que a Fundação de Bragança faz parte de um conjunto de oito instituições portuguesas que se disponibilizaram para receber crianças e jovens estrangeiras não acompanhadas (C/JENA), no âmbito do compromisso assumido pelo Estado português de acolher 500 refugiados do Mediterrâneo que se encontram nos campos da Grécia.
Segundo disse, trata-se de um programa do Alto Comissariado para as Migrações financiado por fundos europeus, e desde setembro de 2021 que Bragança está à espera de 18 jovens, mas nunca lhe foi encaminhado nenhum e está em vias de ter que devolver o financiamento por falta de execução.
“O Estado está-nos a prejudicar por algo que não é do nosso controlo. Nós só podemos executar o trabalho se os jovens estiverem cá e nós não podemos ir buscá-los à Grécia”, afirmou à Lusa.
De acordo com o responsável, a Fundação recebeu 58 mil euros e teve que criar condições e uma equipa com cinco pessoas, com um custo mensal em ordenados de oito mil euros, para responder à “situação de emergência” destes refugiados.
O contrato tem duração até 31 de dezembro de 2022, e o restante financiamento seria pago em parcelas trimestrais de cerca de 20 mil euros.
A instituição queixa-se de que já não recebeu a última tranche e que lhe foi “insinuado que o projeto iria ser revogado por execução zero”, o que implica a devolução da totalidade do financiamento recebido até à data.
José Bento afirmou que metade das oito instituições que aderiram ao programa estão nestas condições e que já fizeram uma exposição a vários órgãos nacionais a dar conta da situação.
“Desde o momento em que não nos enviam os jovens, nós não podemos executar o projeto, a nossa equipa toda que foi constituída só exclusivamente para este projeto acaba por não o poder executar, logo toda a despesa destes recursos humanos fica a cargo da Fundação Casa do Trabalho, o que impede claramente a sustentabilidade adequada da própria instituição”, salientou.
Se o programa for revogado, a instituição admite “cancelar os contratos de trabalho destas cinco pessoas, o que também irá afetar as suas famílias, as suas vidas”.
José Bento referiu que o programa em causa “surgiu com bastante urgência”, a candidatura foi aprovada em agosto de 2021, e que foi dito à instituição que tinha “que começar logo em setembro”.
“Nós temos perguntado todos os meses porque é que [as crianças e jovens] não vêm, temos feito um esforço bastante intenso para obter respostas, pessoalmente perguntamos à Alta Comissária das Migrações, que esteve aqui numa visita às nossas instalações num outro projeto, e foi-nos dito até oralmente por ela que a situação seria resolvida brevemente, mas até hoje não foi”, indicou.
Segundo disse, pelo contacto que mantêm com outros projetos, sabem que “a situação é semelhante”.
A Fundação Casa do Trabalho de Bragança lida com jovens institucionalizados e projetos de integração e o presidente garantiu à Lusa que “é a primeira vez” que lhes acontece terem um projeto aprovado “e ele não tem execução porque quem devia colocar cá os menores não acompanhados, não o está a fazer”.
O técnico da instituição que integra o projeto, Helder Pires, afirmou que “há com certeza jovens a precisar desta ajuda, que continuam nos campos de refugiados e que Portugal continua a não os ir buscar”.
“No Mediterrâneo, a situação continua real, nós é que nos estamos a esquecer de olhar para ela e a achar que o problema, neste momento, só está na Ucrânia e vamo-nos esquecendo do resto. A guerra nos outros países continua, o problema do Mediterrâneo continua e a chegada diária de barcos à ilha de Lesbos e outros sítios continuam a acontecer”, declarou.
Contactado pela Lusa, o gabinete da secretaria de Estado da Igualdade e Migrações confirmou “o compromisso assumido pelo Estado português para a receção de 500 Crianças e Jovens Estrangeiras Não Acompanhadas (C/JENA) provenientes da Grécia através do programa de recolocação voluntária”.
Na resposta por escrito, explica que “para o acolhimento foi implementado um sistema que passa pela receção em Casas de Acolhimento ou Casas de Acolhimento Especializadas, e a progressiva transferência para respostas subsequentes”.
Dos 500 previstos, chegaram a território nacional “263 crianças e jovens”, segundo a tutela, que confirma a aprovação de oito candidaturas de instituições nacionais, com capacidade para acolher 160 refugiados, no valor de quase 1,3 milhões de euros ao Fundo para o Asilo, a Migração e Integração (FAMI)”.
O Governo garante que “os processos de transferência para estas respostas estão a decorrer de acordo com os procedimentos decorrentes da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo”.
“Relativamente às candidaturas aprovadas, serão reembolsadas as despesas que tenham sido realizadas de acordo com os critérios de elegibilidade e demais condições previstas no regulamento”, acrescenta, sem referir se os projetos podem ser revogados e as instituições obrigadas a devolver o que receberam.
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