Entre o Douro e Trás-os-Montes, a seca reflete-se nos abastecimentos de água à população, nas explorações de gado que já estão a gastar as reservas do inverno e nas quebras de produção na agricultura.

Não chove há meses e na região vão crescendo as preocupações. A face mais visível da falta de água é a agricultura mas também há necessidade de encher os reservatórios de várias aldeias.

“Estamos a sentir algumas dificuldades e, entre junho e novembro, já transportámos dois milhões de litros de água para as freguesias onde o abastecimento de água é feito por captação própria”, afirmou à agência Lusa o vice-presidente da Câmara de Murça, António Marques.

Desde 01 de janeiro, segundo dados da Proteção Civil, foram contabilizados 799 transportes de água em veículos de bombeiros em concelhos como Murça, Vila Pouca de Aguiar, Chaves, Ribeira de Pena, Montalegre e Santa Marta de Penaguião. Este número não inclui abastecimentos feitos diretamente pelas autarquias.

Em Murça, fazem-se transportes de água semanalmente, principalmente para a freguesia de Carva e Vilares.

“Não faltou a água porque abastecem com os bombeiros. As nossas nascentes já não dão, está tudo seco”, contou Adélia Escaleira, habitante de Vilares, que garantiu que já poupa com banhos rápidos e reutilização de água para rega.

Neste município duriense a ordem é para “poupar” e “gerir bem”.

A autarquia está tentar controlar as perdas da rede de abastecimento e a poupar nas regas e vai reequacionar os jardins e parques de lazer, onde quer introduzir espécies que exijam consumos menores de água.

A barragem do Alvão, em Vila Real, está em níveis críticos e já deixou de abastecer há alguns meses. O abastecimento para este concelho está, atualmente, a ser feito a partir da barragem de Torre do Pinhão.

Em Soutelinho do Mezio, Vila Pouca de Aguiar, António Ferreira anda de trator a espalhar feno nos pastos para alimentar as cerca de 100 vacas de raça maronesa.

“As reservas de alimento estão a ficar esgotadas. Não há pastos para os animais e estamos a usar os poucos fenos que produzimos. Já estamos a recorrer à reserva que tínhamos para o inverno”, disse à Lusa.

O produtor contabilizou uma quebra de 30% na produção de feno e salientou que, se tiver que comprar alimento para as vacas, a exploração “torna-se inviável”, por isso desabafa que é “preciso que chova para tudo voltar ao normal”.

Adélia Escaleira falou num ano para esquecer na agricultura, com reflexos a nível da produção de batata, da castanha e até em árvores de fruto que secaram.

Os produtores de castanha queixam-se de quebras de produção a rondar os 50%, mas na azeitona o cenário é, afinal, muito mais animador do que inicialmente se previa.

“A perda que estamos a prever anda na ordem dos 10% em termos de quilos mas tivemos uma alegre surpresa porque em termos de rendimento da azeitona, de litros produzidos, acaba por estar 02 a 03% acima do ano anterior”, afirmou o responsável pela Cooperativa Agrícola dos Olivicultores de Murça, Francisco Vilela.

Com cerca de mil sócios, esta cooperativa produz em média cerca de 350 mil litros de azeite por ano.

Na floresta são também visíveis os efeitos da seca. Neste outono ainda não há cogumelos silvestres e já se verificou uma quebra no número de caçadores, porque as espécies cinegéticas não se reproduziram.

Relativamente à qualidade da água nas albufeiras do Douro, Rui Cortes, especialista em recursos hídricos e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), elencou uma “preocupação, especialmente nas mais próximas de Espanha”.

“É o caso de Miranda do Douro que apresenta já níveis de algas bastante consideráveis em resultado das baixas afluências de água que vêm de Espanha”, referiu.

O especialista ressalvou, no entanto, que em termos gerais há pouca informação sobre o “estado ecológico das massas de água em Portugal” e adiantou que se vai fazer, até ao final do ano, um trabalho de monitorização a nível nacional para a Agência Portuguesa do Ambiente.

“Esta monitorização, que estava prevista, coincidiu com esta situação de seca e isso vai-nos dar um retrato a nível nacional do estado das nossas massas de água”, frisou.

A chuva é muito esperada mas vai trazer também uma preocupação acrescida, devido ao arrastamento de sedimentos das áreas ardidas para as linhas de água e à erosão.



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