Em meados dos anos 70, a imigração em França atingia o seu auge. Enquanto que, mais de 20 por cento da população era fiel às políticas do partido de extrema-direita Frente Nacional, criado em 1972 por Jean Marie Le Pen. Estávamos numa época em que, todos os dias, a comunicação social relatava agressões a pessoas de cor, judeus, árabes, orientais e pessoas oriundas de outros países europeus. Foi quando João decidiu insurgir-se contra esta violência, aniquilando-a com mais violência. Aos 16 anos, ele fundou o seu próprio gang. Estávamos no ano de 1984, quando os Ducky Boys se formaram pelas mãos, literalmente, do jovem idealista português, mais conhecido por Rocky.
João Manuel Cordeiro nasceu em Sendim da Ribeira, Alfândega da Fé, corria o ano de 1966. A sua infância permaneceu bem entregue ao cuidado dos avós em Portugal. Na adolescência, viajou, de férias, até França, onde os pais estavam emigrados. Com 13 anos, a visita ganhou um carácter permanente e João passou a ser, também ele, um francês adoptado.
Naquele tempo, os fascistas, cujo mote era “França aos franceses”, constituíam um perigo concreto, fomentavam movimentos e angariavam seguidores por cada esquina. Era a expansão de um autêntico mercado auto-proclamado violento contra todos os não franceses.
“A princípio, a nossa luta começou contra os sudistas (designação para gangs nazis). Só que nos confrontos ganhávamos sempre. Então, eles pediram ajuda aos skinheads. Ao sector racista”, lembra Rocky.
“Foi aí que começámos a marcar em todo o lado, Ducky Boys: Chasseurs de skins (Caçadores de skinheads). Fui o primeiro a usar essa expressão”, realça. Na época, incontáveis gangs procuravam o domínio de territórios na paisagem urbanística parisiense. “Mas caçadores de skins só nós é que nos considerávamos. E cada vez que os encontrávamos batíamos neles”, conta o líder do grupo multi-étnico Ducky Boys. Eles eram os mais respeitados, os mais temidos, os mais organizados, e, também, os mais bem treinados. Era uma espécie de grupo de elite, constituído, apenas, por campeões e professores de artes marciais, oriundos do Muay Thai, full contact e Taekwondo.
“Muitos eram professores de artes marciais. Depois, tínhamos alguns campeões e treinávamos todos os estilos uns com os outros. De maneira a aperfeiçoarmo-nos. Nos anos 80, ainda eram poucos aqueles que lutavam assim”, salienta.
Após confrontos com um gang rival, quase todos os elementos envolvidos ficavam feridos. Alguns, com bastante gravidade. “Há coisas que eu não posso contar!”, reitera.
Os media franceses nacionais e internacionais projectaram, em cobertura mediática, a imagem de Rocky como lutador de rua e cabecilha de um poderoso gang
Numa luta sem igual contra os skinheads e todos os movimentos nazis e fascistas, a popularidade dos Ducky Boys e a sua reputação nas ruas permitia-lhes serem contratados para trabalhos legais. Desde segurança da Festa da Humanidade (semelhante à Festa do Avante), das manifestações da Confederação Geral do Trabalho, dos festivais de música do SOS Racismo, entre outros.
A curiosidade sobre o homem que controlava Paris proporcionou a Rocky o reconhecimento e cedo o seu grupo começou a fazer capa de inúmeros jornais e revistas como o “Globe”, “Paris Match” ou “New Look”. Em cinema, participaram no filme Furie Rock e, em televisão, foram objecto de reportagens e documentários como “ANTIFA: Chasseurs de skins”.
“Ao aparecermos na televisão, nos jornais e revistas, isso fez com que a juventude quisesse aderir, mas eu não aceitava toda a gente. Tinham de ter a força física, a força mental, tinham que se identificar com o grupo, adaptar-se e a maioria não estava apta para entrar. Então, faziam grupos à parte, à nossa imagem”, relata. Foi o caso de uns rapazes que queriam fazer parte dos Ducky Boys. Como eram muito novos, Rocky não os deixou entrar. Então, eles formaram o seu próprio bando, os míticos Ruddy Fox.
Parte dos gangs existentes em Paris era leal aos Ducky Boys e, apesar de, a alguns, João lhes ter negado entrada no seu grupo restrito, não os excluía. Pelo contrário, orientava-os, instruía-os e resolvia muitos dos seus conflitos. Num sistema de rede, que funcionava como uma família, o grupo do português era a cabeça do polvo com os seus vários tentáculos noutros gangs.
Com um knowhow similar ao crime organizado, distribuíam propaganda, eram distinguidos pelos símbolos que ostentavam seguros de si, ouviam música dos anos 50, pré-Elvis Presley, e baseavam-se numa metodologia de treino físico envolto em coragem.
“Naquele tempo, ser skin/racista era um efeito de moda. Muitos aderiam para poderem andar em grupos. A partir do momento em que começámos a atacá-los, a magoá-los, metade dos skins desapareceu. Só ficaram os mais radicais e organizaram-se como nós nos estávamos a organizar”, frisa.
Tacos de baseball, anéis, cintos, pit bulls e outras, foram as armas dos Ducky Boys que inspiraram e serviram de modelo aos gangs modernos
Nos dois primeiros anos, todos os elementos dos Ducky Boys andavam com um taco de baseball. Devido às batalhas e ao crescente número de feridos, a polícia, mais atenta, apertou o controlo. “A partir daí, usávamos armas de disfarce: os anéis, os cintos, botas com biqueira de aço, onde, ainda colocávamos umas aplicações cortantes, mas o nosso treino e a nossa coragem eram o essencial”, sublinha o líder.
A criação de pit bulls para venda e o seu uso como cães de ataque foi outra novidade no meio. “Começámos a usar os pit bulls em 88 para atacar os skinheads. O meu pit chamava-se Max e era tão perigoso como uma arma. A única diferença é que não era proibido”, sustenta.
Os Ducky Boys mantiveram-se em actividade durante 13 anos, protagonizando acções tão incisivas e tantas vezes violentas, que os seus feitos chegaram a ser debatidos na Assembleia Nacional francesa. Após esse período, João decidiu regressar. “Quando vim, em 1996, os skinheads já não representavam uma ameaça para a sociedade. Os meus pais, também, me tinham comprado uns terrenos e pensei que aquele fosse o momento oportuno para regressar a Portugal e mudar de vida”, confessa Rocky.
“Ainda, hoje, recebo pela internet mensagens de pessoas, principalmente, de cor e árabes, a agradecerem-me por aquilo que eu fiz!”, conta orgulhoso por ter ajudado a erradicar o racismo, ter apoiado algumas pessoas perante a tamanha adversidade de serem estrangeiros num país estranho e ter educado outras para os ideais “franceses” de igualdade, liberdade e fraternidade entre raças, credos e nações.
Actualmente, com 43 anos, João teve a primeira filha, agora, com 4 semanas. E não coloca, sequer, a hipótese de regressar a França. “Chega o momento em que tens mulher e filha e tens de ser responsável. Hoje, temos um milagre que é a Internet, que me permite dar ordens como se estivesse presente. Ou seja, continuo a ter a minha acção, mas sem ser activa”, adianta.
Hoje, a descriminação e o racismo em França são temas que voltam a estar sobre a mesa. Sobretudo, depois do presidente Sarkozy ter expulsado os ciganos do “seu” país. Actualmente, a Frente Nacional conta, ainda, com cerca de 18 por cento das intenções de voto e a imigração em França volta a estar na ordem do dia.