Irregularidades no domínio financeiro e fiscal, falta de organização administrativa e saídas de caixa de duvidosa legalidade são algumas das acusações formuladas à gestão da Misericórdia de Alfândega da Fé, cujo provedor - e, simultaneamente, presidente da Câmara local - é João Carlos Figueiredo. Após os relatórios do Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS) do Porto e da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) o caso foi remetido ao Tribunal de Alfândega da Fé.
Uma gestão com vícios privados e públicas virtudes. Mas com \"evidente prejuízo do Estado\", lê-se no relatório da IGF a que o JN teve acesso. Confrontado com o teor das acusações, o presidente de Câmara recusou prestar declarações ao JN \"Não quero falar sobre o assunto. Responderei oportunamente. Estou de saída. Se era por causa dos relatórios não precisavam de vir cá\", esclareceu. Após breve diálogo, o autarca levantou-se e despediu-se apressadamente. Na sala, ficou Jorge Figueiredo, chefe de gabinete e sobrinho do presidente de Câmara.
Rol de ilegalidades
Entre as críticas apontadas no documento, concluído em Janeiro de 2005, contam-se alegadas incompatibilidades dos cargos de provedor e presidente de Câmara, acumulação de funções do economista Eduardo Costa (adjunto do presidente e gestor da Misericórdia), indícios de irregularidades financeiras em compras de material didáctico, aquisição do prédio denominado \"Casa Grande\" e violação das normas de segurança no funcionamento de uma clínica instalada numa antiga escola do Ensino Básico. Os inspectores do IGF remeteram o relatório para o Tribunal de Contas.
Foi em Março de 2004 que o departamento de fiscalização do ISSS do Porto promoveu uma auditoria económica e financeira e detectou diversas ilicitudes aos actos de gestão ocorridos entre 1998 e 2003. No documento do ISSS do Porto, a que o JN teve acesso, em 2002 \"não existia correspondência entre a folha de controlo de caixa e o extracto de contabilidade, nem os extratos bancários coincidiam com os movimentos contabilísticos\".
Fugas às contribuições
Por outro lado, desconhecia-se o \"deve e haver\" dos clientes. Existiam fuga das contribuições à Segurança Social (o valor das dívidas ascendeu a cerca de 69 mil euros e apenas foram entregues quase 20 mil euros), donativos em meras \"saídas de caixa\", despesas de honorários, combustíveis, deslocações e estadias sem suporte documental. Mas, em finais de 2002, a IGF apurou que o valor da dívida rondava 2948 mil euros, não correspondendo aos registos da contabilidade. Depois, surgem compras de géneros alimentícios sem \"validade legal\".
O \"regabofe das contas\", na expressão de um perito contactado pelo JN, não terminou aqui além do pagamento de uma verba superior a 320 mil euros a funcionários e prestadores de serviços numa simples folha de saída de caixa, a Segurança Social de Bragança detectou um \"contrato de trabalho escrito fictício\" entre Carmen Maria da Silva Oliveira Aguiar Costa (mulher de Eduardo Costa, na altura economista da Misericórdia) e a instituição. Entre falsas deslocações, diuturnidades, horas de trabalho, isenção de horário, subsídios de férias e de turno, suplementos de fim-de-semana e vencimentos, Carmen Costa auferiu mais de 68 mil euros, sem que a Segurança Social tenha recebido as respectivas contribuições.
Marido emprega mulher
Outro caso ilustrativo do modelo de gestão levado a efeito pelo provedor e presidente da Câmara de Alfândega da Fé relaciona-se com a contratação de Eduardo Costa e sua mulher. Após amizade travada no Instituto de Emprego e Formação Profissional do Porto, João Carlos Figueiredo convida o economista a exercer funções de gestor da Misericórdia. Mais tarde, o marido (e gestor) fez um contrato-fantasma com a mulher. \"Ela nunca foi à Misericórdia. Nunca fez nada. Recebia cerca de 1000 euros mensais sem ter a maçada de se deslocar ao local de emprego. Um escândalo\", afirmou outra fonte conhecedora do caso.
No relatório do ISSS do Porto, os inspectores registam, ainda, o pagamento de 179.775 euros a trabalhadores inscritos num programa ocupacional para trabalhadores desempregados sem a instituição tenha entregue as correspondentes contribuições à Segurança Social.
\"Existem várias irregularidades no domínio financeiro e fiscal. A contabilidade era um amontoado de papéis sem qualquer credibilidade\", apurou o JN junto de um fonte credível.
Após os relatórios, o caso segue os seus trâmites no Tribunal de Alfândega da Fé.