Os presidentes da câmara de Miranda do Douro, Helena Barril, e Mogadouro, António Pimentel, congratularam-se hoje com a possibilidade de haver pagamento de IMI sobre barragens, após uma luta que já dura há mais de um ano.

“A perspetiva de angariarmos esta receita proveniente do Imposto Municipal sobre Imóveis [IMI] será importante para o município de Miranda do Douro e outras autarquias, para que tenhamos mais desafogo financeiro nos cofres municipais e encararmos mais projetos como exequíveis”, disse Helena Barril à agência Lusa.

Questionada sobre a receita fiscal que pode vir a ser recebida pela autarquia de Miranda do Douro, no distrito de Bragança, que tem duas barragens (Miranda e Picote), a autarca social-democrata escusou-se a avançar valores.

“Os imóveis terão de ser avaliados e sobre esta avaliação será necessário perceber qual a taxa de IMI que o município poderá encaixar no futuro. Mas estou convencida de que tratar-se-á de uma receita muito significativa para os cofres da autarquia e que fará toda a diferença para o futuro do município", vincou Helena Barril.

A autarca destacou ainda o papel importante assumido pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) em todo este processo.

Helena Barril disse ainda que vai continuar “a lutar“ pela cobrança de outros tributos, como o Imposto do Selo, o Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT) ou o IRC inerentes à transação das seis barragens da bacia hidrográfica do Douro.

Também o presidente da Câmara de Mogadouro destacou "o papel fundamental do MCTM em todo este processo", realçando igualmente o das duas autarquias ao terem apresentado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) uma reclamação devidamente fundamentada a exigir o pagamento dos impostos devidos sobre a transação das barragens, como é caso do IMI e de outros impostos.

Na sequência desta diligência, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Santos Félix, assinou esta sexta-feira um despacho, a que a Lusa teve acesso, que avança com diretrizes para a AT fazer uma avaliação e atualização das matrizes das barragens e avançar com a cobrança do IMI deste tipo de bens.

Para o autarca social-democrata do distrito de Bragança, “este despacho é devolver o seu ao seu dono”, considerando que esta decisão do Governo já “era esperada”.

“Esta decisão tem toda a lógica. A não cobrança do IMI fundamentava-se num parecer muito antigo da Agência Portuguesa do Ambiente [APA] e que, na minha perspetiva, era tendencioso”, frisou o autarca de Mogadouro.

O despacho de Nuno Santos Félix tem em conta e segue o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), aprovado por unanimidade em 2006, determinando que "a avaliação, a inscrição e a atualização matriciais das construções respeitantes aos aproveitamentos hidroelétricos […] seja efetuada com base na natureza jurídico-patrimonial resultante do entendimento" que consta daquele parecer.

Para avançar com esta espécie de avaliação geral das barragens para efeitos de IMI, a APA terá de fornecer à AT informação sobre "as construções e edificações que constituem prédios", com base no parecer da PGR.

O despacho do secretário de Estado dos Assuntos Ficais admite que, caso subsistam dúvidas dos serviços sobre o alcance do entendimento daquele parecer, estas poderão resultar num eventual pedido de clarificação junto da PGR, mas sublinha que tal não pode pôr em risco a cobrança do IMI, tendo por isso de se ter em conta os prazos de caducidade.

Ou seja, o esclarecimento de eventuais dúvidas terá de acautelar que "a liquidação dos impostos correspondentes, que decorram da qualificação jurídico-patrimonial decorrente daquele parecer, conquanto se verifique risco de caducidade ou de prescrição do correspondente crédito tributário".

Desta forma, ficando o processo de avaliação concluído e sendo as liquidações de IMI efetuadas até 31 de dezembro de 2023, vai ser possível à AT reclamar o IMI relativo aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022.

A possibilidade de avançar com a cobrança do IMI relativo a estes últimos quatro anos decorre do facto de se estar perante a interpretação de legislação já existente e não de uma nova lei - o que impediria a sua aplicação retroativa.

Este despacho decorre de um requerimento de dois municípios – Miranda do Douro e Mogadouro – sobre o tratamento fiscal em sede de IMI dos equipamentos de aproveitamento hidroelétrico (barragens) e depois de o PS ter anunciado um projeto de resolução em que recomenda ao Governo que clarifique a interpretação da lei sobre cobrança de IMI a barragens.

O despacho de Nuno Santos Félix, que vincula a atuação da AT, refere-se apenas ao IMI, sendo que a conjugação da legislação aponta para que quando existe lugar a liquidação de IMI, a transação dos imóveis em causa fica também sujeita a IMT e a duas verbas de Imposto do Selo (transmissão de imóveis e trespasse de concessões).

A vertente fiscal das barragens saltou para a agenda mediática na sequência da venda pela EDP de seis barragens em Trás-os-Montes (Miranda do Douro, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro e Tua), por 2,2 mil milhões de euros, a um consórcio liderado pela Engie.

O negócio e a forma como a operação foi montada levaram à realização de várias audições no parlamento, com partidos da oposição a levantar várias dúvidas, nomeadamente sobre o facto de a EDP não ter pago o Imposto do Selo no valor de 110 milhões de euros.

Entretanto está em curso uma investigação criminal para perceber se a operação foi montada de forma a evitar o pagamento de impostos.

Recorde-se que na sequência do parecer da PGR, a AT concluiu que "as construções e edificações correspondentes às barragens e às instalações afetas ao centro eletroprodutor preenchem o conceito de prédio para afeitos de IMI", devendo por isso "ser avaliados e inscritos na matriz".

Porém, devido à elevada litigância que este entendimento gerou, em 2016 e após consulta à APA, o IMI deixou de ser cobrado por ser entendimento da APA que as barragens de utilidade pública estão inseridas no domínio público do Estado, não estando por isso sujeita ao imposto.

O Municipio de Miranda do Douro emitiu um comunicado sobre este assunto:

“Foi feita Justiça”

Município de Miranda do Douro congratula-se com a decisão do pagamento de IMI das barragens

“Foi feita justiça, hoje é o dia da viragem, o dia em que os concelhos que produzem riqueza, começam a ficar com parte da mesma”, é desta forma que Vitor Bernardo , o vereador da Câmara Municipal de Miranda do Douro reage ao despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, dando conta da obrigatoriedade do Fisco cobrar Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) sobre barragens.

Para além disso, este é um despacho com base num parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República de 2006. Decisão que terá efeitos retroativos aos últimos quatro anos. Segundo Vitor Bernardo, este feito “ representa uma vitória para a autarquia mirandesa, pois desde que este executivo tomou posse sempre, reivindicou este direito”, acrescentando que “ valeu a pena tamanha luta”. O vereador da câmara de Miranda do Douro, acredita que o Governo percebeu, finalmente, onde está a razão e, "a partir daqui a Autoridade Tributária não terá outro remédio senão cobrar impostos às concessionárias".

Recordamos que em causa está sobretudo, o negócio da venda das barragens pela EDP à Engie em 2020, que ascendeu aos 2,2 mil milhões de euros e gerou polémica quando à falta de pagamento do IMT, IMI e IS e depois de muita contestação foi feita justiça. “Agora temos de aguardar” diz Vítor Bernardo “ que suspeita que não vai ser fácil nem rápido, pois "as concessionárias têm muito dinheiro, bons assessores e vão de certeza recorrer na justiça", declara.

Esta decisão não vai afetar apenas as barragens que a EDP vendeu à Movhera (da francesa Engie): "A lei não será só para Miranda do Douro, a lei é geral, irá ser aplicada pelas finanças dos outros concelhos”, e segundo Vítor Bernardo, há muitos municípios que vão passar a receber os impostos que não foram pagos pelos diferentes concessionários nos últimos quatro anos. No essencial estão a contas a EDP, a Movhera ou a Iberdrola.

Miranda do Douro, 4 de fevereiro de 2023


Foto: AP



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