O Movimento da Terra de Miranda disse hoje que nunca elaborou qualquer "parecer jurídico" no processo de venda das barragens, que a Autoridade Tributária (AT) atribuí a um dos membros do movimento que é seu "alto quadro".
"O documento a que se refere o Ministério das Finanças é uma nota jurídica, elaborada a pedido do ministro do Ambiente, na reunião que realizou com este Movimento, em 02 de setembro de 2020, tendo sido posteriormente entregue ao senhor Presidente da República", explicou, em comunicado enviado à Lusa, o Movimento Cultural Terra de Miranda (MCTM).
No mesmo comunicado, o MCTM garante que alertou para "a probabilidade de o negócio da venda das barragens do Douro Internacional ser sujeito a um planeamento fiscal agressivo e exortou o Governo a só autorizar a sua celebração depois de garantido o cumprimento de todas as obrigações fiscais".
"O documento foi entregue com espírito construtivo e teve como objetivo alertar o Governo a defender o interesse público neste negócio", vincou este movimento cívico que se assume com apartidário.
O MCTM indicou ainda que tomou conhecimento pela comunicação social do "processo de inquérito instaurado pela AT a propósito de uma conduta alegadamente praticada por um seu alto funcionário, José Maria Pires, que é membro fundador do movimento".
"Soubemos ainda pela comunicação social que o Ministério das Finanças invoca como justificação para o dito ‘processo de inquérito' a elaboração de um alegado ‘parecer jurídico', relativo a impostos de venda do trespasse da concessão das barragens do Douro Internacional.
O movimento garantiu que "nunca pediu, nem recebeu qualquer parecer ou nota jurídica de José Maria Pires, nem de outra pessoa, pelo que desmente categoricamente as alegações do Ministério das Finanças".
"Os documentos apresentados pelo MCTM reúnem contributos de todos os seus elementos e de membros da comunidade em geral", indica o MCTM.
Segundo o movimento cívico, o documento foi entregue "com espírito construtivo e teve como objetivo alertar o Governo a defender o interesse público neste negócio".
Agora, o MCTM exige ao Ministério das Finanças "o arquivamento imediato do processo de inquérito" por considerar não existirem "razões que o justifiquem, bem como um pedido de desculpas".
Questionado hoje pela Lusa, o Ministério das Finanças esclareceu que "não tinha, nem tinha de ter, conhecimento do processo de inquérito instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a um trabalhador da AT, no âmbito da autonomia e competências próprias deste organismo da administração direta do Estado".
Segundo aquele ministério, desses documentos constava um "parecer" alegadamente elaborado por um trabalhador da AT, integrante do Movimento Cultural da Terra de Miranda, com uma análise "jurídica-tributária" sobre a transmissão das barragens.
"Em face disso, em 21 de janeiro de 2021, foi determinada a instauração de processo de Inquérito tendo em vista o esclarecimento dos indícios sobre a existência do referido parecer e, a confirmar-se, das circunstâncias em que poderá ter sido emitido parecer jurídico sobre matéria tributária, por trabalhador da AT, designadamente a eventual verificação de quaisquer circunstâncias que o dispensassem do dever legal de exclusividade a que, por princípio, estão obrigados todos os trabalhadores da AT", indica a mesma nota enviada à Lusa.
O Ministério da Finanças acrescenta ainda que os trabalhadores da AT estão sujeitos a um código de conduta, adotado em 23 de julho de 2015, que clarifica os especiais deveres a que estão vinculados.
Na mesma resposta, o Ministério das Finanças indica que a comunicação enviada pelo Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais à AT se refere à "Nota Jurídica" (Carta Aberta) do Movimento Terras de Miranda remetida ao Gabinete, em 16 de dezembro de 2020, e igualmente remetida a demais organismos.
"Como é seu dever, o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais deu conhecimento deste Carta Aberta à AT", explicou aquele ministério liderado por João Leão.
Na quinta-feira, a associação cívica Transparência e Integridade (TI) exigiu explicações ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre o processo disciplinar aberto pela Autoridade Tributária (AT) a um funcionário por participar no MCTM.
Em comunicado, a TI sublinhava que o Governo e a AT devem dar explicações ao parlamento "sobre este comportamento persecutório de quem procura defender o bem público".
A TI lembrava que foi este movimento que alertou o Estado português para os riscos de fraude fiscal na venda das concessões de barragens transmontanas da EDP aos franceses da Engie.
Na quinta-feira, na reta final da sua intervenção no debate sobre política geral com o primeiro-ministro no parlamento, o presidente do PSD, Rui Rio, acusou o Ministério das Finanças de estar a mover um processo "pidesco" a um funcionário da AT e alargou a crítica ao Governo, dizendo que está a "perder o discernimento".
Na resposta, António Costa disse desconhecer "em absoluto a abertura de qualquer inquérito" desse tipo.
O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) também afirmava na quinta-feira ter conhecimento da instauração de processos de inquérito e disciplinares por acesso à base de dados, manifestando preocupação por se presumir à partida que tais acessos são indevidos.
A EDP concluiu, em 17 de dezembro, a venda por 2,2 mil milhões de euros de seis barragens na bacia hidrográfica do Douro a um consórcio de investidores formado pela Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova.