O Movimento Cultural Terra de Miranda acusou hoje o ministro do Ambiente de "condicionar" a Autoridade Tributária (AT) na sua ação inspetiva, no âmbito da venda de seis barragens transmontanas por 2,2 mil milhões de euros à Engie.
"Quando o Senhor ministro vem recorrentemente afirmar que não há direito ao pagamento de impostos [no negócio da venda das barragens], matéria para a qual não tem competência para falar, tudo isto só pode ter um único objetivo, que é ele estar a condicionar a AT na sua ação inspetiva", disse à Lusa Aníbal Fernandes, um dos elementos do Movimento Cultural Terra de Miranda (MCTM).
Aníbal Fernandes referiu que o MCTM enviou hoje uma carta aberta ao ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, no sentido de alertar novamente de que o movimento “está a lutar por uma grande injustiça”.
"Todo o país já viu que este negócio é de uma grande injustiça com a Terra de Miranda, com exceção do senhor ministro do Ambiente, que é o único que não vê e nem quer ver. O senhor ministro está a enveredar por uma atitude que o desmerece", afirmou.
João Pedro Matos Fernandes afirmou na sexta-feira que o seu ministério analisou o negócio de venda de barragens "de acordo com a lei" e que cabe à Autoridade Tributária decidir se deve ou não pagar o Imposto de Selo (IS).
"É claro para todos que, sendo a EDP um grande contribuinte, é fiscalizada todos os anos pela Autoridade Tributária" e "só" este organismo é que "está em condições de classificar se este negócio devia ou não devia pagar imposto de selo", afirmou Matos Fernandes.
O negócio da venda de seis barragens da EDP, no Rio Douro, ao consórcio liderado pela Engie, por 2,2 mil milhões de euros, tem suscitado polémica, por não ter pago o Imposto do Selo (IS).
O MCTM afirma mesmo que "um dia destes o ministro arrisca-se a ser considerado ‘persona non grata' na Terra de Miranda".
Na carta aberta, o MCTM indica que vai adotar todos os procedimentos necessários para garantir que o Estado honre todos os compromissos que assumiu com a Terra de Miranda e as populações dos 10 municípios onde se situam as barragens, quando aprovou o artigo 134.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021.
Este movimento reafirma que alertou o ministro do Ambiente e da Ação Climática, verbalmente e por escrito (em 04 de setembro de 2020), da “probabilidade de existirem esquemas de planeamento fiscal agressivo destinados a dispensar a EDP de pagar os impostos devidos pelo negócio da venda das barragens”.
"Esse documento é público", vinca o MCTM, solicitando “encarecidamente” a Matos Fernandes e a “todos os membros do Governo” para que “não façam mais declarações (…) defendendo que não são devidos impostos por este negócio”.
Outra das exigências manifestadas no documento é que o ministro esclareça “por que motivo não fez depender a autorização de venda do pagamento de uma contrapartida financeira (como é comum), até porque estava a conferir à EDP o avultado encaixe de 2,2 mil milhões de euros”.
O movimento quer também saber por que motivo autorizou a venda sem garantir previamente o pagamento dos impostos, nomeadamente de IRC, de IMT, de Imposto do Selo e de Emolumentos.
O MCTM questiona igualmente porque autorizou a venda “quando sabia que o modelo de negócio adotado pela EDP frustrava a possibilidade de cobrança de 110 milhões de euros de Imposto do Selo, afetos pelo artigo 134.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021, ao fundo de desenvolvimento dos 10 municípios”.
Este movimento reafirma que não pede nada que não seja devido aos 10 concelhos abrangidos pelas seis barragens (Miranda do Douro, Picote, Bemposta, Feiticeiro, Baixo Sabor e Foz Tua, no distrito de Bragança).
"Apenas queremos que nos seja entregue o montante a que temos direito por Lei: os 110 milhões de euros respeitantes ao Imposto do Selo que por inépcia da ação do Senhor ministro e do Governo não acautelou que tivessem já sido cobrados", vinca o documento enviado à tutela.
O MCTM reafirma igualmente que as populações da Terra de Miranda não se deixam enganar nem intimidar.
Em comunicado, o Ministério das Finanças já havia esclarecido que "não há qualquer relação entre as alterações propostas ao artigo 60.º" do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) - o que tem a ver com o IS - pelo Governo, no âmbito do Orçamento do Estado para 2020, "e qualquer operação em concreto, em particular a operação de venda de barragens da EDP".
Segundo o ministério tutelado por João Leão, a alteração introduzida "visou apenas e só" corrigir outra situação, pelo que não tem "correlação com operações relacionadas com a transferência onerosa através de trespasse de concessões outorgadas pelo Estado", um tipo de operação que "era, é e continua a ser sujeita a tributação", em termos do IS.
Instado sobre se estas explicações das Finanças e todas as dúvidas em torno do negócio das barragens o deixam preocupado, o ministro do Ambiente ironizou que não é "ministro das Finanças", nem tem "ambição nenhuma" nesse sentido.