Fundada em 1962, a Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM) actua actualmente junto das dioceses do país, dos imigrantes residentes em Portugal e das comunidades portuguesas dispersas pelo mundo.

Mas nasceu para responder às necessidades do grande número de portugueses que saia de Portugal nos anos 60. Quando se aproximam os 50 anos da sua criação, a OCPM vê-se novamente a braços com uma grande vaga de emigração portuguesa, com novos contornos.
Em entrevista a O Emigrante/Mundo Português, frei Francisco Sales Diniz, director da Obra, afirma que “os emigrantes de outros tempos não são os emigrantes de agora”, e lamenta que muitas pessoas não tenham “outra hipótese senão emigrar”…

A Obra Católica Portuguesa das Migrações completa 50 anos de actividades em 2012. O que levou há sua criação?
A Obra Católica Portuguesa das Migrações nasceu para dar resposta às necessidades do grande fluxo migratório que saia de Portugal nos anos 60. Já havia um trabalho de envio de sacerdotes para os países de emigração, mas não havia propriamente um trabalho estruturado. Foi dentro do patriarcado de Lisboa que nasceu a Obra, como um meio de envio de sacerdotes e foi ai que se foram estruturando nas diversas comunidades portuguesas, particularmente na Europa. Nos Estados Unido e no Canadá existia uma emigração mais antiga e já tinha um trabalho feito de estruturação das comunidades.

Em quantos países está presente a Obra?
São muitos. É muito diverso, porque cada país é um mundo diferente e consoante a emigração ser mais antiga ou mais nova, as coisas funcionam de forma diferente. Nós temos sempre, em todos os países, uma função de apoio, mas em alguns, a igreja já está estruturada e totalmente dependente das dioceses e praticamente a única relação que têm connosco é pedirem-nos algum sacerdote ou material de apoio. Como por exemplo no Canadá, os Estados Unidos e a Venezuela.
Continuamos particularmente a apoiar a Europa, a África do Sul e um pouco a Austrália – apesar da emigração para esse país ter parada há alguns anos e lá termos apenas uma comunidade estruturada com um sacerdote. A Europa continua a ser o grande pólo de relação e trabalho, particularmente a Suíça, a Alemanha, a Bélgica, o Luxemburgo, a França, a Holanda - que teve uma emigração quase parada e agora voltou a «explodir» - e a Inglaterra - um fenómeno novo e onde temos que alargar o trabalho porque são cada vez mais os portugueses a trabalhar naquele país.

Ao longo dos quase 50 anos da OCPM, o que mudou na Emigração portuguesa?
Mudou muita coisa. Os emigrantes de outros tempos não são os emigrantes de agora. Muita gente emigrou fugida de um sistema político e social e muita gente emigrou em situações de quase extrema pobreza. Temos que lembrar as situações de pobreza que se viviam em Portugal antes de 25 de Abril de 1974. Naquela altura, na maior parte dos casos, emigravam os homens e as mulheres ficavam com os filhos. Muitos estavam anos fora, poupavam e depois vinham para organizar a sua vida, enquanto outros chamavam mais tarda as famílias.
Actualmente, a emigração é completamente diferente. Emigram tanto homens como mulheres, muitas vezes, mesmo a nível familiar a mulher até já vai à frente, algo que era impensável noutros tempos. Depois, temos uma emigração muito jovem. Jovens que acabam o seu período de formação, cursos universitários e profissionalizantes, não encontram trabalho em Portugal e vão para outros países à procura de soluções.
Vemos também neste momento - e penso que é um dos grandes dramas da actualidade - a emigração de muitas famílias, completas e relativamente jovens. Pessoas que estão a perder os seus empregos, que têm compromissos económicos, que compraram apartamentos, casas, têm dívidas e para não perderem as suas coisas vêm-se obrigadas a emigrar. Neste momento, muita gente emigra para não perder o que já tem.
Quem emigra para começar uma vida, vai para outro país e não deixa nada para trás, vai construir. Mas uma pessoa que sai do seu país, que deixa uma vida que já está construída e de um momento para o outro vê desmoronar-se, vive um stress enorme a tentar arranjar trabalho num outro país e a ver as coisas perderem-se cá. E vemos que muita gente que emigra, já não vai a pensar regressar. Vão para construir a vida noutro país. Existe uma diferença muito grande nesta questão.
Ao nosso nível, vivemos num mundo muito mas descristianizado. Noutros tempos toda a gente procurava a Igreja, os portugueses eram essencialmente católicos, hoje já não. Muitos procuram-nos porque as nossas missões têm uma base de apoio que os pode ajudar, mas já não é com aquela afluência antiga, em que a maioria dos emigrantes procuravam as missões para construir comunidades enormes. Mas continua muita gente a procurar o nosso apoio, particularmente na questão das famílias novas com crianças em idade escolar e idade de catequese. Porque apesar de não frequentarem a Igreja, os portugueses continuam a enviar os filhos à catequese.

O que pedem os portugueses que batem «à porta» das missões portuguesas?
Depende muito dos países. Em Inglaterra, porque e um país quase exclusivamente anglicano, muita gente procura porque gosta de por os filhos na escola católica e para isso, precisam ter uma relação com uma comunidade porque precisam de um documento assinado pelo padre. Notamos isso muito em Londres.
Pedem todo o tipo de ajuda, desde questões de documentação, ajuda a encontrar casa, trabalho, para servirmos de intérprete quando é preciso ir às instituições, existem muitos pedidos nas missões para este tipo de apoios. Pedem-nos muita ajuda na questão dos idosos. Em alguns países como a Alemanha e a França, há muitos portugueses na terceira idade, que por vezes ali trabalharam uma vida inteira e têm reformas pequenas. Sonharam vir para Portugal mas como têm lá um bom sistema de saúde já não conseguem vir e procuramos dar-lhes apoio.

Que problemas afectam actualmente os emigrantes portugueses?
Existem muitos problemas. Ultimamente, confrontamo-nos com uma realidade que se calhar não existia noutros tempos: nas nossas comunidades não temos só portugueses, temos pessoas de língua portuguesa e isso às vezes cria alguns conflitos. Porque apesar de falarmos todos a mesma língua, as culturas e a forma de ver as coisas são diferentes. Um dos maiores problemas é sempre a questão material. As pessoas às vezes chegam até nós com a expectativa de ajuda e nós não temos subsídios, vivemos da solidariedade dos cristãos.

Através do trabalho das missões têm a percepção de que se estará a emigrar tanto agora como nos anos 60 e 70?
Acho que neste momento estamos com um nível de emigração comparável aos anos 60 e 70. Está a sair muita gente. Nos anos 60 e 70 conseguia-se contabilizar e agora, infelizmente, não se consegue. O espaço Shengen, as fronteiras abertas, impossibilitam que haja uma contabilidade.
Mas nós, através de algumas informações que nos chegam, defendemos que nos últimos dois a três anos estão a emigrar uma média de cem mil pessoas por ano. Em França, através de um estudo sobre a religiosidade dos portugueses, o número de novos inscritos nos consulados e a abertura de contas no banco, calcula-se que em média, estejam a entrar 20 mil portugueses por ano. É muita gente. E se pensarmos que estão a emigrar muitos mais para Inglaterra e para a Suíça... Muitos universitários estão a ir para a Suíça e lá têm trabalho.

Para onde emigram os portugueses actualmente? Há novos «destinos de emigração» para os portugueses?
É interessante vermos os destinos dos fluxos migratórios, mas também a origem dos fluxos e a razão. Há muitos anos que se emigra para Inglaterra, mas tem realmente aparecido uma nova vaga. No que toca a novos países de destino, destaca-se Angola, que está a ser um fenómeno. Mas temos que ter consciência que por ser uma ex-colónia, muita gente que está ir para lá tinha relações ou raízes anteriores à independência. Calcula-se que estejam cerca de cem mil portugueses em Angola.
A emigração para a Holanda tem sido um fenómeno interessante. Pelas informações que temos, está a voltar a haver uma chegada regular de portugueses em busca de trabalho. Para a Holanda tinha praticamente terminado a emigração (portuguesa) já há alguns anos. Tínhamos duas missões (Amesterdão e Haia), aliás, tínhamos até três, mas uma já tinha fechado. Estávamos agora para fechar uma das outras e integrá-la num projecto mais alargado de apoio a emigrantes de diversas proveniências, mas estamos a ver como vamos fazer porque estão a chegar pessoas e a procurar as missões.
Além de Angola, o forte da emigração está a ir para os países tradicionais: Inglaterra, Suíça, França, Holanda, Luxemburgo e também um pouco para a Alemanha. Sobre Espanha, não temos muitos dados, nunca houve uma estruturação pastoral (portuguesa) em Espanha. Andorra é uma situação especial, onde as pessoas estão relativamente bem integradas e não há relatos de problemas. Mantemos uma relação com eles e quando precisam de alguma coisa comunicam-nos, principalmente para as festas. A Obra é muito contactada por causa das celebrações nas festas das comunidades, ou por altura da comunhão e do crisma. Gostam que lá vá um padre português, ou um bispo.

Recebem muitos pedidos de informações de pessoas que querem emigrar?
Ainda há pouco tempo, contactou-nos um casal jovem que tinha acabado os seus cursos na Universidade de Coimbra e estava a pensar casar. Foram para a Suíça e uma semana depois, estavam a trabalhar. Recebemos muitos pedidos de informações sobre as missões, onde podem contactar portugueses. Muitos perguntam se existem outras instituições que os possam apoiar e ajudar. Esses são quase sempre gente com mais conhecimentos e que está habituada à internet.
Mas para além desta emigração temos que ter consciência que existe a emigração dos mais pobres, da mão-de-obra não qualificada, principalmente para a construção e para a agricultura. E uma emigração sazonal. Recorde-se as situações que houve na Holanda não há muito tempo e aqui na vizinha Espanha. Por exemplo, não podemos esquecer o Sul de França, na agricultura, onde existem também situações dramáticas de exploração.

Numa intervenção feita na reunião plenária do Conselho das Comunidades Portuguesas, em Março, chamou a atenção para as redes de exploração de mão-de-obra não qualificada, afirmando que “geralmente são portugueses a explorar portugueses”…
São portugueses a explorar portugueses ou redes portuguesas que depois fazem a angariação e que os levam até aos países, são os intermediários. Nós encontramos muita gente, portugueses que estão no exterior e têm empresas e utilizam os seus próprios compatriotas.
Conheço muito bem a emigração da Califórnia, é um mundo português. Percorremos aquelas cidades e não há uma onde não haja comunidade portuguesa. Mas chegamos ali e os trabalhadores portugueses dizem que o pior patrão é o português.
Continuo a defender que Portugal - não só o Estado mas também as pessoas - tem muito a aprender com a emigração chinesa, é uma emigração muito solidária. Por exemplo, em Toronto onde são mais de um milhão, têm uma associação que, quando chega uma família nova, cada pessoa dá-lhe um dólar. Esta associação está assim estruturada. Portanto, quando chega a nova família, esta já tem a sua loja, a sua casa, tudo preparado para a receber. Nós, portugueses, a resposta é quase sempre «eles que trabalhem que eu também trabalhei». É preciso criar uma solidariedade, as missões procuram fazer isso mas chegam a um pequeno número de emigrantes, não chegam a todos.

Os dados oficiais apontam para a existência de 4,5 a 5 milhões de portugueses na diáspora. Defende que esse número não está correcto e que os portugueses (e descendentes) no estrangeiro são quase tantos quanto os que residem em Portugal. Em que se baseia?
Os números que apresentam são dos registados nos consulados, mas a maioria dos emigrantes que conheço não tem registo consular porque não é obrigatório. Vou à Califórnia no final de Maio e estarei lá 15 dias a visitar duas comunidades. Vou fazer um pequeno inquérito sobre essa questão, vou perguntar às pessoas se estão ou não registadas no consulado. Na Califórnia, onde residem centenas de milhares de portugueses, se houver dez por cento - e estou a dar uma percentagem muito elevada - de pessoas registadas no consulado, já é muito.
As pessoas não têm relação com o consulado e cada vez fecham mais consulados. Para quem está, por exemplo, no meio do vale de São Joaquim, o consulado é em São Francisco. São quatro, cinco horas de viagem para cada lado, para chegarem ao consulado, só para se registarem. Ninguém vai. Mesmo a nível de Europa, vemos que entre os números de registos nos consulados e as estimativas dos países sobre os números de emigrantes, há um desfasamento enorme.
Nos Estados Unidos, estão registados nos consulados cento e tal mil. Mas entre portugueses e luso-descendentes, têm lá mais de dois milhões de pessoas. Há cidades onde 80 a 90 por cento da população é de origem portuguesa: Newark, Fall River, New Bedford. Na Califórnia, em Hilmar, uma pequena cidade com cinco ou seis mil habitantes, só dois por cento não são portugueses. Mas também chegamos a Turlock, uma cidade ao lado, com cerca de 80 mil habitantes, e quase 50 por cento são portugueses. Não estão contabilizados, mas são uma realidade.

É uma realidade estatística «escondida» por Portugal?
Até o conceito de Emigração querem mudar, precisamente como uma forma de baixar a estatística. Como o facto de não quererem (em Portugal) reconhecer que as pessoas que estão nos países da União Europeia são emigrantes. É que o número de emigrantes manifesta a incapacidade do Estado português em criar condições de fixar os seus, condições de trabalho e condições de vida. Perante os parceiros da União Europeia, é uma má imagem de marca. Continuo a dizer que o Estado português não tem verdadeiramente interesse em fazer um retrato real da nossa Emigração, precisamente por causa disso.

Na sua opinião, o que é preciso que o Estado faça em termos de apoio às comunidades portuguesas?
A nossa rede consular deveria ser muito mais alargada. Os consulados não deveriam ser apenas para burocracia, deveriam servir também para uma dinamização das nossas comunidades, para os apoiar mesmo a nível económico. Numa situação de crise actual, quando se fala que é preciso aumentar as exportações, seriam um bom meio, por exemplo, para se promover nas comunidades, os nossos produtos. Para a dimensão do nosso país, temos talvez a melhor rede mundial para podermos crescer economicamente a nível de exportações, e não a aproveitamos. Uma rede importadora e consumidora.
É preciso estar mais próximo das pessoas e não gastar às vezes milhões em coisas que não levam a lado nenhum. O consulado virtual, criado com esta tentativa de reduzir o número de consulados, não serve de nada, foi um desperdício de dinheiro. Em algumas das nossas missões está lá a máquina, parece uma máquina de multibanco e não resolve problema nenhum. O Governo dos Açores criou algo que é um bom modelo, a RIAC, Rede Integrada de Apoio ao Cidadão, que não funciona apenas nas ilhas, abriram um espaço em Lisboa e estão a abrir nas comunidades. Onde o que se resolve numa Loja do Cidadão em Portugal, qualquer português lá pode resolver.

O meio associativo é uma «ferramenta» mal aproveitada?
Acho que é, mas essa é outra das problemáticas do ser português. Quando se criam associações, quase sempre ficam presas aos fundadores. As associações vão envelhecendo e os mais velhos não são capazes de se abrirem aos mais novos nem de se irem actualizando em relação à mentalidade dos mais jovens. Uma grande parte das associações culturais portuguesas espalhadas pelo mundo, são envelhecidas, agarradas a formas do passado. Mas para subsistirem têm que se abrir a outras «dimensões». Mas penso que seriam importantes, não só na questão cultural, mas também de apoio aos nossos cidadãos, apoio social e a jovens. Algumas têm sido importantíssimas em relação ao ensino da língua portuguesa.

O ensino da língua portuguesa é outra «ferramenta» importante?
O ensino da língua portuguesa é algo em que se deve continuar a investir, e bastante. Na Europa o ensino do português começou nas missões e foram estas que pressionaram consulados e embaixadas o que levou a que se fosse consolidando o ensino do português ligado ao Ministério da Educação. Noutros tempos, os portugueses quando emigravam, alguns tinham vergonha da sua língua. Hoje já estão a perceber que o mundo é global, já percebem a importância de se saber mais do que uma língua e já percebem a grandeza da língua portuguesa, a nível mundial. É algo a investir com força. Se Portugal tem tanta gente lá fora e tem recebido tanto dos seus emigrantes, também tem que dar alguma coisa.

Na reunião do Conselho das Comunidades Portuguesas disse ainda que Portugal tem o dever de receber bem quem chega, mas tem igualmente o dever de acompanhar os seus que saem. Que relação tem Portugal - governantes e sociedade civil - com os seus emigrantes?
Acho que as coisas estão a mudar. Noutros tempos, o emigrante dava muito nas vistas, quando chegavam tinham mais dinheiro, nas festas gostavam de pagar a bebida, etc. Isso criou um estigma.
Hoje as coisas estão a mudar, apesar de sentir que alguns emigrantes quando cá vêm não se sentem acolhidos. Mas penso que não há falta de acolhimento, é que agora as pessoas já têm tanto dinheiro, o carro já é igual. Conheço um emigrante que me disse que já não voltava à sua terra porque lá «está tudo rico, já ninguém precisa de nada». Nas paróquias onde há um grande número de portugueses emigrados e que vêm no Verão, temos procurado promover a festa do emigrante. Uma festa de acolhimento e partilha, um dia dedicado a eles, e tem sido positivo. É preciso contribuir para ultrapassar o estigma que foi criado noutros tempos em relação aos emigrantes, mas estes também têm que ter uma atitude diferente.

Portugal vai continuar a ser um país de emigrantes?
Nos próximos anos, sim. Está na massa do sangue do português, faz parte da identidade portuguesa. Este país é muito pequeno e o ser humano gosta de grandes horizontes. E com a situação em que o país está, penso que nos próximos anos vamos assistir a muito mais gente a sair de Portugal. Muitas pessoas não têm outra hipótese senão emigrar.



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