Os pouco mais de 20 habitantes da recÎndita aldeia transmontana de Cidões acreditam ser guardiões de uma «poção mágica» herdada de antigos druidas celtas capaz de exorcizar os males da crise, pelo menos por uma noite.
Quem na noite de 31 de outubro para 01 de novembro \"da cabra comer e ao canhoto (tronco de madeira) se aquecer, um ano de sorte vai ter\", garante a tradição desta aldeia de Vinhais, que atrai um milhar de pessoas todos os anos na chamada noite das bruxas.
Este \"Halloween\" transmontano regressa na quarta-feira e, em vez de abóboras, longos chapéus, verrugas e vassouras, oferece a \"Festa da Cabra e do Canhoto\".
Ao anoitecer, acende-se a fogueira com seis toneladas de \"canhotos\" previamente \"roubados\" das propriedades agrícolas das redondezas, que hão de alimentar chamas com \"34 a 40 metros de altura\", segundo contou Luís Castanheira, um dos organizadores.
Na mesma fogueira serão cozinhadas, em potes de ferro, quatro cabras \"machorras\" (inférteis) para alimentar os convivas, que poderão também saborear castanha assada colhida nos soutos da região, tudo regado com vinho e jeropiga em abundância.
Manda a tradição que os presentes deem três voltas à fogueira.
O ponto alto da noite é a chegada de um carro com as \"tarraxas\" bem apertadas para \"cantar\" (chiar) bem alto, carregando um diabo ou bode com cinco metros de altura que acabará queimado.
\"Aquele diabo representa para nós tudo de mal que nos tenha acontecido. Vamos queimar o bode e comer a cabra e ver neles algumas figuras que nos têm atormentado\", explicou Luís Canotilho, deixando à criatividade de cada um aqueles que quiserem ver representados.
Este professor da Escola Superior de Educação de Bragança e estudioso das tradições transmontanas associou-se ao ritual de Cidões e ajudou a descortinar um pouco mais das origens desta tradição.
Luís Canotilho acredita que a \"noite das bruxas\" de Cidões é o mais genuíno do legado celta que deu origem aos \"halloween\" exportados dos Estados Unidos da América para o mundo.
O que se comemora nesta noite na aldeia transmontana é, segundo disse, o legado dos festejos \"do início do ano novo celta\" e que, em Portugal, é \"caso único\", encontrando-se este ritual em mais \"três ou quatro aldeias da Galiza\".
A iniciativa tem congregado os que vivem na aldeia e aqueles que ali têm origens e já motivou a criação da Associação Raízes da aldeia de Cidões.
A presidente, Hortênsia Castanheira Pinto, garante que \"há pessoas que se deslocam de vários pontos do país, há 10 e 15 anos, para assistir a esta festa única\".
Os residentes dão os ingredientes e \"cada habitante colabora da forma que pode\".
Aos visitantes, é cobrado um preço simbólico pela refeição.
Para que a tradição não acabe com o desaparecimento dos poucos habitantes da aldeia, os organizadores decidiram adicionar alguma \"modernidade ao ritual para atrair gente jovem\".
Os vários momentos da noite serão recriados com representações teatrais e a animação prolonga-se com um concerto de música celta.
O ritual completa-se com o \"virar da aldeia às avessas\", que deixa as ruas intransitáveis no dia seguinte, com tudo fora do lugar, desde alfaias agrícolas a vasos de flores.