As instituições de ensino superior receberam no último ano mais de uma centena de queixas de assédio sexual e moral, discriminação ou violência, mas apenas quatro acusados foram até agora penalizados.

A agência Lusa questionou universidades e institutos politécnicos de todo o país sobre a existência de canais de denúncia para vítimas, número e tipo de queixas registadas e resultados.

As 19 instituições de ensino superior que responderam - onze universidades e oito institutos politécnicos (IP) – revelaram ter recebido 154 queixas de assédio sexual, moral, “questões pedagógicas” e casos de discriminação.

As respostas mostraram que, até agora, só duas instituições penalizaram os alvos de quatro queixas: Três professores e um aluno.

Todas as outras 150 queixas não tiveram qualquer consequência para o eventual agressor, havendo ainda muitos casos em análise, outros tantos arquivados e pelo menos uma história em que a alegada vítima desistiu da queixa.

Esta semana, pela primeira vez, denúncias de alunos tiveram efeitos imediatos: O Instituto Politécnico do Porto (IPP) instaurou processos disciplinares e suspendeu preventivamente três docentes por suspeitas de assédio a estudantes, na sequência de queixas recebidas na terça-feira.

À Lusa, o IPP disse ter recebido no canal de denúncias criado no ano passado outras 21 queixas e reclamações.

O outro caso com penalizações para o agressor passou-se no Centro, onde um aluno do politécnico da Guarda agrediu um professor e foi temporariamente suspenso.

Curiosamente, o IP da Guarda é uma das três instituições que disse à Lusa ainda não ter qualquer canal de denúncia. As outras duas são a Universidade da Beira Interior (UBI) e o IP de Castelo Branco, ambas sem queixas.

É nas três instituições mais antigas do país que está a grande maioria das queixas: A Universidade de Lisboa (UL) registou 60 denúncias, a Universidade de Coimbra (UC) “36 reportes” e a Universidade do Porto (UP) 19.

Há um ano, a Faculdade de Direito da UL (FDUL) abriu um canal de denúncias e, em 11 dias, recebeu 50 queixas, sendo que nenhum dos casos de assédio chegou à barra dos tribunais.

As denúncias, todas anónimas, deram azo a um relatório enviado pela faculdade ao Ministério Público “que procedeu ao seu arquivamento”, explicou à Lusa a instituição.

Entretanto, a FDUL criou um Gabinete de Apoio à Vítima, ao qual chegaram dez denúncias que resultaram em “três processos de inquérito” analisados por instrutores externos à instituição “que concluíram pelo seu arquivamento, por prescrição”.

A Universidade de Coimbra (UC) registou “36 reportes” desde que criou a plataforma, em junho de 2022, havendo dois casos de assédio moral e cinco de discriminação.

A maioria foi arquivada por falta de elementos e apenas duas participações de assédio moral deram origem à instauração de procedimentos, mas um foi arquivado por “inexistência de condutas dessa natureza” e o outro está “em fase de instrução”.

No Porto, a universidade validou, desde junho de 2022, 19 queixas e reclamações, cinco das quais relacionadas com assédio moral e sexual que levaram à abertura de processos de inquéritos “que se encontram ainda a decorrer”.

Os casos de queixas com processos a decorrer repetem-se por quase todas as instituições: No Politécnico de Viseu há duas queixas em análise, na Universidade do Algarve está a ser averiguada uma denúncia de assédio moral e na Universidade dos Açores decorre um processo relacionado com questões pedagógicas.

A Universidade da Madeira criou, em dezembro do ano passado, o Portal do Denunciante, ao qual chegaram duas denúncias: Uma “foi arquivada por falta de fundamento” e a outra está em fase de análise, acrescentou a instituição, escusando-se a revelar detalhes.


Mas também há casos em que todas as queixas que entraram foram arquivadas, como aconteceu no Instituto Politécnico de Bragança (IPB).

“Nos últimos quatro anos, chegaram à direção três ou quatro casos de queixas de estudantes sobre alegado assédio sexual por parte de docentes”, contou à Lusa o presidente do IPB, Orlando Rodrigues, acrescentando que “os casos foram averiguados e arquivados. Não houve lugar a ações disciplinares”.

Há uma outra instituição que considerou uma queixa de assédio moral “resolvida” porque o denunciante desistiu do processo, contou à Lusa o responsável do Politécnico de Coimbra.

Os casos de assédio na academia não são de agora, tendo levado a ministra do Ensino Superior, Elvira Fortunato, a apelar, há um ano, para que as instituições desenvolvessem ações de prevenção destas situações e criassem mecanismos de denúncia.

Tanto professores e investigadores como alunos, pela voz dos sindicatos e associações representativas de estudantes, têm criticado a criação de canais dentro das próprias instituições, alertando para o perigo de as vítimas desistirem por temerem ser identificadas ou alvo de perseguição.

Professores, investigadores e alunos defendem que deveria existir um canal de denúncias nacional e a funcionar de forma independente das IES.

As informações recolhidas pela Lusa parecem mostrar que a criação de instrumentos de denúncia não promove a queixa, como foi o caso do Politécnico de Leiria (PL).

A plataforma digital do PL começou a funcionar em fevereiro deste ano, mas todas as queixas de assédio são anteriores: duas de assédio moral e duas de assédio sexual, estando três arquivadas e um processo “em tramitação”.

Também a Universidade do Minho e o Politécnico de Portalegre, que têm canais de denúncia anteriores ao apelo da ministra, garantem nunca ter recebido qualquer queixa.

Na lista das instituições sem “cadastro” está ainda a Universidade da Beira Interior, a Universidade de Évora e a Universidade de Aveiro (UA).

A UA disse à Lusa ter vários instrumentos para denunciar situações de assédio sexual e moral, incluindo a possibilidade de as queixas poderem ser submetidas “diretamente através do envio de um email ao Reitor, do canal de comunicação “Pergunta ao Reitor” ou do canal de denúncias internas, que assegura o anonimato dos denunciantes”.

As informações das instituições revelam tempos diferentes de ação e diferentes abordagens perante um mesmo problema, o que também tem sido criticado pelos sindicatos.



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