Foi logo no início de Agosto que a vila de Sendim, em trás-os-montes, recebeu a quarta edição do seu festival Intercéltico. Estivemos lá no 2º dia, e descobrimos porquê todos os anos vale a pena viajar todos estes quilómetros.
Por muita polémica que a palavra "celta" possa levantar junto dos mais puristas da música de raiz tradicional, o que é certo é que os festivais "intercélticos" têm-nos dado a oportunidade de ver em Portugal alguns dos maiores nomes da folk europeia; e, uma vez mais, este Intercéltico de Sendim não fugiu à regra.
Na verdade, o Intercéltico de sendim é um dos mais recentes festivais portugueses na área da música tradicional. E é muito interessante o facto de ele já ir na sua quarta edição - o que ganha ainda uma maior importância se tivermos em atenção que Sendim é uma vila situada em Trás-os-Montes, relativamente isolada pelas grandes distâncias. Então a pergunta é: o que faz com que, desde há quatro anos, hajam tantas pessoas dispostas a fazer centenas de quilometros até esta vila no Nordeste de Portugal, para assistir a um festival folk? A resposta só pode ser uma: a qualidade.
Neste caso, as "hostilidades" foram então abertas na noite de sexta feira, com os Lenga-Lenga, as galegas Leilia, e os asturianos Tejedor. Embora tenha sido com grande pena que não pudessemos estar presentes na noite de abertura do festival, os comentários que se faziam ouvir no dia seguinte eram que os Tejedor tinham dado um espectáculo excepcional - embora fosse da opinião geral que os outros projectos não tivessem ficado nada atrás. E o que é certo é que no segundo dia do festival já não havia álbuns da banda asturiana na tenda dos discos.
Mas outras surpresas estariam reservadas para o segundo dia. A noite de dia 2 abriu com uma actuação do excelente grupo de Bombos de Teruel que, em procissão pelas ruas de Sendim, iluminadas apenas por tochas, levou o público até ao recinto do espectáulo e lá actuou fazendo o chão tremer com os seus ritmos. Esta actuação cativou o público presente, e serviu para dar o mote para o resto da noite.
Os concertos propriamente ditos começaram com a actuação do grupo madrileno Balbarda. Esta jovem formação, que muito recentemente lançou o seu primeiro trabalho discográfico ("La Ruta de los Foramontanos"), apresentou-se em palco com cinco elementos: na sanfona, na guitarra, nas percussões, nos sopros (flautas e gaitas), e no violino e nickelharpa. O seu repertório incide essencialmente em temas tradicionais das provínicas espanholas da Cantabria e Castela.
Também no caso destes Balbarda, todos os temas foram interpretados com grande energia; e com isso este colectivo contagiou sem dificuldades o muito público de Sendim; de tal forma que a certa altura nem parecia que estávamos a assistir a um concerto de um grupo ainda tão jovem. Este é, sem dúvida um nome a reter.
De seguida entrou o octeto cantábrico Luétiga. Mesmo sabendo que os nomes mais conhecidos da folk do país vizinho costumam vir da Galiza, Asturias ou Pais Basco, este grupo - mercê da sua qualidade inegável - tem vindo a conseguir tornar mais conhecida a música tradicional da cordilheira Cantábrica, na qual assenta todo o seu repertório. Uma vez mais, guitarras, violinos, clarinetes, gaitas, pandeiretas e tambores, agitaram e convidaram à dança os muitos jovens presentes no festival. Aliás, logo no primeiro tema, o grupo deu o mote ao anunciar que iria apenas tocar música "para bailar", e prosseguiu a cativar o público, muito por culpa da enorme energia que colocaram na interpretação de cada tema - muito à semelhança do que já haviam também feito os Balbarda em palco.
Mas o grande nome da noite era, sem dúvida, o grupo Dervish que, com inteira justiça (e desculpem-me Chieftains, Altan ou Lunasa), são mesmo o melhor grupo irlandês da actualidade. Só que a adicionar ao grande nome Dervish vinha também outro grande nome, sobejamente conhecido por todos os que amam a música tradicional da ilha esmeralda: nada mais nada menos que o maior acordeonista irlandês da actualidade, Martin O'Connor.
Com efeito, Shane Mitchell, o acordeonista que é também um dos membros fundadores dos Dervish não pode comparecer (pois estava num casamento...) e a banda decidiu fazer o convite a esta autentica lenda viva da música irlandesa, neste caso para proporcionar o melhor ao público presente em Sendim.
Esta actuação foi, então, a proverbial cereja no cimo do bolo. Uma cereja pequena, é verdade, mas muito, muito doce. Pequena porque infelizmente devido ao calendario muito cheio (a fama tem destas coisas), a banda acabou por não poder tocar tanto tempo como em outros concertos que já deu no nosso país; mas sobertudo doce porque, como sempre, a actuação dos Dervish e de Martin O'Connor foi simplesmente soberba.
Os Dervish levaram ao palco de Sendim essencialmente temas do seu mais recente trabalho discográfico, "Spirit", e fizeram-no com a segurança, energia e emotividade que, de resto, sempre coloca em todas as suas actuações. Mesmo assim, o publico demorou a aquecer, é verdade. Isto porque os temas iniciais foram um pouco mais calmos; mas à medida que o concerto foi avançando, o público foi dançando e pulando cada vez mais, até chegar ao set de jigs e reels final, executados de forma absolutamente explosiva.
Ao fim de contras, os irlandeses voltaram para dois encores, mas mesmo assim - dado o curto tempo em que tocaram (cerca de hora e meia) - ficou no público um certo "amargo de boca". De qualquer das formas, mesmo que o concerto tenha sido mais curto que outros dados pelos Dervish em Portugal, é sempre um prazer ver em palco estes sete fabulosos músicos, em particular a fenomenal Cathy Jordan que, para além de ser uma das mais belas vozes destas musicas do mundo, tanto consegue contagiar o público com a sua alegria em palco, como é capaz de nos arrancar uma lágrima, a partir de todo o sentimento com que interpreta as canções mais melódicas.
Ver os Dervish em palco é uma experiência inesquecível para toda a gente que gosta destas músicas (e quem não gosta devia experimentar também) e, sem desprimor pela qualidade dos restantes projectos deste festival, valerá sempre a pena fazer centenas de quilómetros para ver estes fabulosos irlandeses a actuar.
Gostavamos de deixar uma última palavra para a hospitalidade do povo de Sendim, e a fantástica organização do festival e das actividades paralelas, tudo co-organizado pela da Associação Sons da Terra, dirigida por Mario Correia, que ja havia participado na organização do Festival Intercéltico do Porto. Embora jovem, o Festival de Sendim caminha a passos bem largos para se tornar uma referência nos festivais de música tradicional do nosso país. A organização que me perdoe por citar aqui o slogan de promoção do festival, mas sem dúvida que a folk merece não apenas um, mas "vários festivais assim".