Cerca de duas centenas de pessoas, entre familiares, amigos e governantes, marcaram presença, na Sé Catedral do Porto, nas cerimónias fúnebres de homenagem à escritora Agustina Bessa-Luís, que morreu na segunda-feira, aos 96 anos.
A missa de corpo presente teve início cerca das 16:00 e demorou aproximadamente uma hora, tendo sido presidida pelo bispo do Porto, Manuel Linda, na presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e da ministra da Cultura, Graça Fonseca.
Numa homilia emotiva, na qual recordou passagens marcantes da obra de Agustina Bessa-Luís e descreveu a religiosidade da escritora natural de Vila Meã, Amarante, Manuel Linda acabou com agradecimentos.
"Obrigado meu Deus que nos deste uma pessoa com tão alta categoria intelectual, religiosa e cristã, e obrigada Agustina por esta extraordinária lição de teologia que a tua vida acabou por nos dar", disse o bispo do Porto.
Manuel Linda referiu que "a condição humana" é uma das "marcas" da "vastíssima obra literária" de Agustina Bessa-Luís, sobre a qual disse saber que "se prostrava muitas vezes sobre um oratório que tinha em casa".
As cerimónias fúnebres de homenagem a Agustina Bessa-Luís terminaram com o caixão a sair da Sé Catedral, cerca das 17:15, debaixo de um coro de aplausos e sob o olhar concentrado de Marcelo Rebelo de Sousa, ladeado pelo presidente da Câmara portuense, o independente Rui Moreira.
O cortejo fúnebre seguiu para o Cemitério de Godim, Peso da Régua, onde se realizou o funeral da escritora, numa cerimónia reservada à família, com a presença da autoridades locais, guarda de honra dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua e duas dezenas de pessoas.
O presidente da Câmara de Peso da Régua recorda a importância da obra deixada e enaltece as ligações afetivas que Agustina Bessa-Luís manteve para com Peso da Régua, mais precisamente com Godim, onde a família residiu, recordando ainda que a escritora tinha ascendência em Loureiro, de onde o pai era natural.
Agustina Bessa-Luís, que morreu na segunda-feira, no Porto, aos 96 anos, nasceu em 15 de outubro de 1922, em Vila Meã, Amarante.
O nome da escritora, que se estreou nas Letras com o romance "Mundo Fechado", em 1948, destacou-se em 1954, com a publicação de "A Sibila", obra que lhe valeu os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz.
Agustina recebeu também, por duas vezes, o Grande Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, a primeira, em 1983, pela obra "Os Meninos de Ouro", e, depois, em 2001, por "O Princípio da Incerteza I - Joia de Família".
A escritora foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prémio Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, e com o Prémio Eduardo Lourenço, em 2015.
Em 2004 recebeu o Prémio Camões e o Prémio Vergílio Ferreira.
"Está no panteão de todos os portugueses"
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que a escritora "está no Panteão de todos os portugueses", recordando-a como "um génio que soube retratar as mudanças de Portugal". "No campo literário, ela fez tudo. Fez romance excecional, fez biografia, fez teatro, fez crónica, fez tudo. Aquilo que fica em termos de génio é ter sabido retratar, por dentro essa mudança de Portugal, que não era apenas falar de como as pessoas eram, era falar de como a natureza humana é sempre", disse Marcelo Rebelo de Sousa.
Convidado a dizer se deseja ver Agustina Bessa-Luís no Panteão Nacional, Marcelo Rebelo de Sousa disse que esta é "uma decisão que depende da família, dos deputados" e perguntou: "Como é que Agustina gostaria que fosse?". "Neste momento estamos a prestar-lhe homenagem, e ela está no Panteão do coração de todos os portugueses", afirmou.
"Vivia intensamente o Porto"
"Agustina era uma pessoa que de facto vivia intensamente o Porto, o Norte, era uma figura absolutamente inolvidável da nossa cultura, que fica para sempre", afirmou Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, à entrada para o velório da escritora, mencionando ter a autarquia aprovado hoje "um voto de pesar", depois de, na segunda-feira, ter declarado "dois dias de luto municipal, antecipando o luto nacional de hoje".
"Uma mulher e escritora ímpar"
A ministra da Cultura, Graça Fonseca, recordou Agustina Bessa-Luís como "uma mulher e escritora ímpar da cultura portuguesa", alguém que "utilizava a língua fazendo com que esta ganhasse vida". "A Agustina era a grande mulher das letras portuguesas", disse Graça Fonseca, citando o escritor Eduardo Lourenço, à chegada à Sé Catedral do Porto. "Mas é muito importante realçar também o papel como mulher. Era alguém muito atento à evolução do país, à sua intervenção. A Agustina era uma mulher e uma escritora ímpar na cultura portuguesa", disse Graça Fonseca, lembrando que o Governo português decretou para hoje dia de luto nacional.
Agustina é “a maior escritora que Portugal já teve” – Arnaldo Saraiva
O poeta e ensaísta Arnaldo Saraiva disse à Lusa que Agustina Bessa-Luís, que morreu hoje aos 96 anos, ocupa “o espaço da maior escritora que Portugal já teve” na memória do país. “Tivemos algumas escritoras importantes no século XX, de Florbela Espanca a Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria Velho da Costa, mas de longe a maior figura feminina da literatura portuguesa será sempre Agustina”, explicou.
Foto: Fernando Peneiras
FOI EM JUNHO, O ADEUS.
O sol escondeu o sorriso
Mas era o vento que persistente soprava
As andorinhas num brincar estridente
Entre o azul do céu e o empoeirado, quente.
Treinavam o bailado encantador.
Para saudar alguém que tinha já subido ao sublimado patamar.
Na curva da estrada, no umbral das árvores.
No vento tresloucado acenar,
A canção repetida das cigarras.
Cansei a audição, mas traduzi!
Era um adeus
Um adeus de poéticas estrofes.
Essas que desencadernando livros
Revoltearam entre as pinhas nos bosques perfumados.
Caía a tarde estavam dourados os caminhos.
A poesia, as escritas flutuavam.
Rasava o chão empoeirado um manto de realeza.
No ataúde de sedas só dormia.
Num sonhar inconstante,
Tão sereno, as letras abraçadas em poesia.
Traga a noite cirios acesos, se pinte o céu de galáxias.
Já degraus suspensos de jade e cristal.
Sobe vagaroso o texto, o poema.
Que a anciã passou a vida, a romancear a escrever,
Com paixão, a descrever, a declamar!
Agustina Bessa Luís
A poeta!
Que de menina, tinha nos olhos o encanto.
No coração a nascente das palavras.
Augusta Maria. 3.6.2019.