António Pereira
O movimento "Mães de Bragança" é descrito como "um gesto de cidadania e emancipação" inigualável em Portugal que um sociólogo de Lisboa acompanhou e decidiu publicar em livro, 13 anos depois do fenómeno mediático.
Quando soube que um grupo de mulheres havia redigido um manifesto de protesto contra a presença das trabalhadoras brasileiras do sexo na cidade, José Machado Pais, da Universidade de Lisboa, teve "logo uma enorme vontade de viajar até Bragança para ver o que se passava".
Sobretudo no período entre 2003 e 2008, fez uma análise sociológica e resumiu o que recolheu no livro "Enredos sexuais, tradição e mudança: as mães, os zecas e as sedutoras de além-mar".
O livro está disponível, mas só deverá ser apresentado lá para outubro, em Bragança, a convite da Associação "Os Amigos do arquivo Distrital de Bragança" e, como apontou numa entrevista à Lusa o autor, "será uma enorme satisfação" regressar à cidade para com a qual disse ter "uma dívida de gratidão" pela forma como foi recebido e admiração pela "verticalidade do povo transmontano e a sua abertura de espírito".
O ponto de partida para este trabalho "foi um impulso de curiosidade" e durante seis anos, visitou Bragança, com pequenas estadias de uma a duas semanas por ano, sendo que na primeira incursão, como confessou à Lusa, foi ao engano.
Começou por andar às voltas no castelo de Bragança que fez capa da revista americana Time e não encontrou o que procurava.
Só mais tarde descobriu que a fotografia que dava "a ideia da conquista da cidade" pelas brasileiras foi uma ilustração alegórica.
"Posteriormente vim a saber que jornalistas da Time tinham pago a duas trabalhadoras de sexo para posarem no castelo", concretizou.
Ao longo da pesquisa, testemunhou "um clima de enorme tensão social" com "as "mães" a acusarem as brasileiras de macumbas e de usarem um chá de amarração que deixava os seus pobres homens de cabeça perdida".
O autor revelou à Lusa que no livro "há um capítulo inteiramente dedicado ao chá de amarração" e curiosamente descobriu que "algumas mulheres (de Bragança) procuravam videntes e brasileiras que trabalhavam com búzios, na esperança de desfazerem os feitiços".
Os defensores das meninas desencadeavam violentos ataques verbais contra as mães, acusando-as do encerramento das casas de altere e de arruinarem a economia da região.
José Machado Pais disse que ouviu "mães, trabalhadores de sexo, proprietários de casas de alterne e de "cafés de subir", clientes, taxistas, comerciantes, autoridades policiais, videntes, etc".
Decididamente, o autor concluiu que "o movimento das mães de Bragança não se inscreve no universo dos chamados novos movimentos sociais", mas à semelhança de outras manifestações em que a palavra de protesto é amplificada por megafones, cartazes, comunicados e manifestos, também as "Mães de Bragança fizerem uso da palavra, deram voz à sua revolta, no manifesto que fizeram circular pelas autoridades e forças vivas de Bragança".
Daí, o sociólogo considerar que "foi um claro gesto de cidadania, de emancipação, embora não totalmente liberto das malhas de um tradicionalismo".
Logo a seguir ao manifesto das mães de Bragança surgiram esboços de réplicas em outras regiões de Portugal, mas nenhuma ação teve a mesma amplitude mediática.
Para o autor, "o que se passou em Bragança faz parte de uma matriz cultural muito mais vasta", que se encontra até nas chamadas músicas "pimba" que "retratam, exemplarmente, conflitos conjugais (...) falam de carências sexuais e do modo como os défices de satisfação sexual podem ser repostos nas casas de alterne" e que "se ouvem, com agrado e reconhecimento, em muitas feiras do país".
O livro mostra ainda que "os imaginários em torno das sedutoras de além-mar", não são de agora e aborda "o mito da mulher de terras de Vera Cruz (que) vem dos tempos da colonização" com "as aventuras e desventuras do macho lusitano, principalmente no Brasil".
O movimento "Mães de Bragança" foi divulgado em abril de 2003 pela agência Lusa e mais tarde, em outubro, ganhou projeção internacional ao ser capa da revista Time.
Seguiram-se operações policiais com rusgas que levaram ao encerramento das casas de alterne e a processos judiciais com a condenação de proprietários e colaboradores.
Lusa
