O padre António Fontes impulsiona há 30 edições o Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes, um evento que juntou o sagrado e o profano, promoveu as plantas medicinais e rasgou a fronteira de Montalegre.
Nos três dias de congresso juntam-se cientistas e investigadores, curandeiros, bruxos, videntes, médiuns, astrólogos, tarólogos, massagistas e ervanários, curiosos e turistas.
A 30.ª edição do congresso realiza-se entre 2 e 4 de Setembro. O programa ainda está a ser fechado mas já se sabe que, nestes três dias, vão juntar-se em Vilar de Perdizes cientistas e investigadores, curandeiros, bruxos, videntes, médiuns, astrólogos, tarólogos, massagistas e ervanários, curiosos e turistas.
"A junção do sagrado e do profano protagonizado por um padre deu mais-valia e chamariz ao congresso. Foi como que a arte de sacralizar o profano e profanar o sagrado", afirmou o padre António Fontes.
O sacerdote disse ainda que o objectivo da iniciativa mantém-se actual porque, pretende dar a conhecer às pessoas "o valor da medicina popular e o poder das plantas para combater doenças".
Mas, muito para além desse objectivo, o congresso tornou-se numa oportunidade de negócio para a restauração, comércio e hotelaria locais e uma atracção turística deste município do distrito de Vila Real.
"O primeiro abrir e rasgar das nossas fronteiras foi feito pelo Congresso de Medicina Popular e o sentido de oportunidade do padre Fontes", salientou o presidente da Câmara de Montalegre, Orlando Alves.
O autarca salientou que o congresso "é um acontecimento que marca estes últimos 30 anos" em Montalegre e ajudou "a definir o sentido de orientação para a sustentabilidade económica, financeira, demográfica e cultural do concelho".
"Estamos a falar de um tempo em que Portugal era ainda muito mais só Lisboa do que é hoje. Estamos a falar de um tempo em que as acessibilidades não existiam, em que as tecnologias de informação ainda não se vislumbravam e o padre Fontes, através de algo que radica na cultura e no sentimento do povo, conseguiu projectar todo um vasto território que estava quase ignorado", frisou o autarca.
Actualmente, segundo Orlando Alves, este "é um evento que continua a concitar a atenção geral do país e que provoca dinâmicas económicas, sobretudo no sector da hotelaria e da restauração".
Ana Martins tem um restaurante no centro de Vilar de Perdizes e disse à Lusa que, após o arranque do congresso, a localidade "começou a ser conhecida" e aqui "começaram a chegar mais pessoas".
"Ajuda a atrair visitantes mesmo após os dias em que decorre o evento. Ao longo dos anos foi uma mais-valia para o comércio e para a freguesia. Foi o congresso quem nos deu o nome", afirmou à Lusa a proprietária.
Desde 1983, ano em que decorreu a primeira edição, que a iniciativa ajudou também a criar pequenos negócios para as gentes da aldeia. Há quem venda chás, bálsamos, arruda para a inveja e ainda compotas e bolinhos de coco e castanha.
O evento continua a girar em torno da figura do padre Fontes, mas a organização está agora a cargo da Associação de Defesa do Património de Vilar de Perdizes, que conta com o apoio da Câmara Municipal.
Paralelamente ao congresso, decorre uma feira de produtos locais, desde o artesanato aos produtos agrícolas, compotas ou as mais diversas ervas e chás de plantas recolhidas nas serras e vales do Barroso.
Lusa
Congresso de Medicina Popular | Como nasceu?
Há uns anos fui funcionário dos Serviços Médicos e dei conta que alguns médicos eram pouco experientes e conhecedores da tradição cultural do território que pisavam. Então, para os informar da cultura popular no campo da saúde e, também, para que eles não ridicularizassem quem a ela recorre, criei o primeiro congresso. O principal objetivo acabava por consistir em que o povo rural não perdesse os seus saberes e tradições da medicina natural e disciplina ervanária. À partida, os congressos seriam para se realizar apenas uma vez. No entanto, isto continuou. Não foi a pedido meu, mas sim do povo. Tudo isto foi uma bola de neve que cresceu e hoje em dia é imparável. Movimenta pessoas de todos os géneros como populares, eruditos, universitários, meros curiosos, gente de outras seitas e religiões, pessoas que vêm apenas para fazer turismo, mas que todos eles têm uma coisa em comum: acabam por se interessar por este tipo de medicina e voltam aos Congressos que se organizam por si próprios, o que faz com que dar-lhes vida seja um compromisso nosso.
Vilar de Perdizes | Colocação no mapa
Este extremo norte de Portugal quase não existia. Era Chaves e Montalegre. Agora já se começa a ter um mapa mais detalhado. Antigamente não havia caminhos. Agora a paisagem começa aqui e quem quiser conhecer o país real, tem que sair litoral e chegar aqui à montanha, aos pés do Larouco, e descobrir o encanto mágico, atraente, cultural, paisagístico, social, religioso, que é Vilar de Perdizes.
Inícios do Congresso | Relação com o Bispo
Mandaram-lhe uma carta a dizer que o padre de Vilar de Perdizes andava a promover a bruxaria e outras religiões e seitas. Ele acabou por fazer um comunicado a condenar o que aqui se passava e chegou a vir dizendo: «eu vim aqui para acabar com os Congressos de Vilar de Perdizes». Mas para mim, o mais estranho foi o bispo ter demorado quase uma década, após ter substituído o anterior, a fazê-lo. Foi uma atitude totalmente diferente da do antecessor dele que não só apoiava, como garantia que me punha nos cornos da lua, quando lhe falavam de mim.
Padre Fontes | Que papel?
Isto tem alguns desassossegos, alguma falta de privacidade, mas tudo isso é saudável quando alguém beneficia, sobretudo o mundo esquecido e marginalizado, que hoje fala e tem voz, através da comunicação social, através da gente que aqui vem e que satisfaz uma curiosidade justa e agradável de descobrir o que é a erva natural, os valores, os cheiros e aromas das ervas do chás. Descobri-las, usá-las e levá-las para casa e desintoxicar-se com o ar puro que aqui se respira, com a alimentação agradável que aqui é saborosíssima, com a água limpíssima que aqui se bebe, com o ambiente sossegado de pessoas, tranquilas à procura do sagrado, do mítico, do religioso, à procura do naturista e à procura, também, do ilusório, do mágico e do supersticioso.
Congresso | Turismo
Acaba por ser um motor de progresso, até porque as pessoas acabam por voltar, por exemplo, para a Feira do Fumeiro e para as "Sexta 13". Nessas alturas tenho sempre o meu hotel cheio e como o meu, todos os outros. Centenas de pessoas também vêm cá por causa das ervas, dos chás, dos curandeiros, dos videntes, de tudo. Os programas de televisão também se interessam por nós e ajudam a promover a região. A margem de progresso do turismo no Barroso é impossível quantificar, mas é gigantesca e eu tenho apostado e lutado por isso. As pessoas que aqui vêm costumam dizer que isto é superior à Serra da Estrela, só que não se faz tanta publicidade. Eles têm uma paisagem pouco vasta, sem contrastes nenhuns. Aqui temos rios, montanhas, vegetação, animação, cultura, um estilo de vida muito próprio. A margem de progressão do próprio Algarve, não se compara à nossa. Eu não tenho ciúmes desses sítios mas isto é o futuro. Os turistas que vêm cá acabam por dizer: «eu não sabia que isto existia, senão tinha vindo cá há imenso tempo».
Emigrantes | Que relação?
O principal meio que utilizei para comunicar com os emigrantes foi o meu jornal, com a notícia da terra e com o nome Barroso. Foi um elo de ligação entre a terra e o emigrante. Iam lendo o que por cá se fazia e acabavam por construir por cá a sua habitação. O crescimento da aldeia tem que ser proporcional à procura turística. Acho que fazem falta mais espaços, e dou como exemplo Pitões das Júnias. Os nossos valores fazem crescer a nossa região. É preciso gente que produza a nossa vitela barrosã, as nossas batatas de qualidade. É tudo um elo de ligação. Os nossos visitantes admiram as condições de vida que temos. Penso que os nossos emigrantes também se orgulham disso e querem que isso continue a acontecer. Eles gostam de vir e nós gostamos de os ver cá, rodeados pela família.
Região | Futuro
O futuro a Deus pertence. Já não tenho a mesma dinâmica mas mantenho o diálogo com doentes de todo o lado que me procuram. Muita gente diz que tenho poderes. Não tenho poder, tenho saber. Não temos os meios de há 40 ou 50 anos. O despovoamento é uma realidade. Hoje não é preciso tanta gente para executar a pouca agricultura que resta. O possível futuro será mecanizar cada vez mais. A médio prazo é um futuro um pouco sombrio. É preciso incentivar os jovens a criarem, a partir da terra, sem ambições de grandes fortunas. O importante é viver com qualidade de vida, em paz, onde deixamos a porta de casa aberta ou o carro porque estamos seguros e felizes. É preciso, dedicação, paixão e maior atenção pela terra. Criarem empregos lá fora é despejarem a vasilha da nossa gente.
CMM