A demolição do edifício da antiga panificadora de Vila Real, projetada por Nadir Afonso, prossegue hoje e insere-se no projeto de renovação da loja local da cadeia de supermercados Lidl, segundo fontes do município e da empresa.
Os trabalhos de demolição da panificadora ou Panreal começaram ao final da tarde de segunda-feira e prosseguem hoje perante o olhar atento dos defensores da preservação do imóvel que foi projetado pelo artista transmontano Nadir Afonso.
O espaço privado onde está localizado o imóvel, construído em 1965, foi adquirido pelo Lidl.
Numa resposta escrita à agência Lusa, o Lidl explicou que a “aquisição do terreno em questão foi concretizada após as devidas aprovações e licenciamentos, cumprindo todos os procedimentos e despachos legais”.
“O tempo previsto de obra será de sete meses. Esta aquisição inclui-se no processo de renovação do nosso parque de lojas, que temos vindo a empreender de Norte a Sul do país, e que tem como objetivo a renovação da nossa loja existente em Vila Real”, salientou a cadeira de supermercados.
De acordo com informação disponibilizada pela Câmara de Vila Real, o Lidl apresentou um projeto que prevê a demolição de dois edifícios existentes, a atual loja e a Panreal (como é conhecida localmente a panificadora), e a sua substituição por um outro com maior área.
O projeto foi aprovado por unanimidade pelo executivo na reunião de câmara da semana passada.
O Lidl sublinhou que, ao longo deste processo, desenvolveu “múltiplos esforços, ao reunir com a família e a Fundação Nadir Afonso, sempre com uma intenção clara de incluir uma componente de homenagem e memória do pintor” e adiantou que "à data nenhumas das sugestões foi aceite”.
“Independentemente dos imóveis estarem ou não classificados, a manutenção das estruturas existentes é uma prioridade para o Lidl, sempre que seja viável acomodar às necessidades do nosso negócio”, afirmou.
Segundo a empresa, "neste caso em particular, a estrutura e configuração não permitem qualquer ajustamento à ocupação pretendida".
"Acresce a isso que o espaço está em avançado estado de degradação com múltiplas placas de amianto, que, como é sabido, é um risco para a saúde pública”, referiu o Lidl.
O edifício tem um projeto congénere em Chaves. Os dois imóveis marcam a carreira de Nadir Afonso, por serem os seus últimos projetos de arquitetura.
Esta manhã, num cartaz feito de papelão e colocado numa grade junto à obra foi escrito: “Centenário Nadir Afonso 1920-2020, licença para demolir o património, autorização Câmara Municipal de Vila Real”.
“Vou ficar aqui o dia todo”, garantiu Mila Simões de Abreu, professora universitária que integra a Associação Alter Ibi, que há três anos defende a preservação do edifício desenhado por Nadir Afonso.
Na sua opinião, “a Panreal está a ser destruída e hoje Portugal ficou um bocadinho mais pobre”.
Na segunda-feira, Mila Simões de Abreu anunciou uma providência cautelar para travar a obra. Questionada hoje pela agência Lusa, a professora disse que o assunto “está a ser estudado”.
“Vamos usar todos os meios legais que estejam ao nosso alcance para fazer com que haja justiça”, frisou.
A responsável alertou ainda para aquilo que considerou ser uma “situação preocupante”, nomeadamente a retirada de amianto do edifício, aparentemente “sem serem cumpridas todas as regras de segurança”, uma situação que foi exposta aos polícias que se encontravam nas proximidades do local.
Durante a manhã, foram vários os curiosos que passaram junto ao edifício e pararam para ver os trabalhos das máquinas que estavam a proceder à demolição.
Maria Rosa não quis entrar na polémica à volta do edifício projetado por Nadir Afonso e apenas recordou a padaria onde foi cliente assídua até ter fechado.
“Vinha aqui todos os dias comprar pão e os meus filhos vinham da discoteca e paravam aqui para comprar pão quente”, contou.
José Luís vive há 40 anos na zona da Araucária e afirmou que foi também, durante anos, cliente da padaria. Hoje, mostrou-se a favor da demolição e defendeu que é preciso resolver o problema do edifício degradado, que serviu de albergue a toxicodependentes e, mais recentemente, a imigrantes de leste.
“Isto assim, como está, é uma vergonha. É o escarro da cidade”, salientou.
Em abril de 2017, já tinham sido demolidas partes da fachada da panificadora.
A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) arquivou em abril de 2018 o procedimento de classificação para Imóvel de Interesse Público, proposto por um grupo de cidadãos, considerando que o edifício já não reúne características para uma classificação de âmbito nacional.
Em 2019, a Câmara de Vila Real decidiu não classificar a panificadora como imóvel de interesse municipal.