O número é constante já desde há uns anos: entre rio, mar e a submarina, Portugal terá um milhão de pessoas a praticar pesca. Antecipando o evento de Chaves, o JN foi tentar perceber o que é isso de ficar horas a olhar para o vazio.
Para quem nunca pegou numa cana, será um mistério - não apocalíptico, não cabalístico, mas ainda assim um enigma com os seus abismos: em que pensa o pescador quando está a pescar? A resposta varia intuitivamente entre a universalidade e a sua negação: «Pensa em tudo», profere Paulo; «Não pensa em nada», afirma Fernando - e só a metáfora da vida os abarcará aos dois: pensa na luta consigo mesmo como pensou Santiago, o velho do mar de Hemingway, que só com paciência e persistência soube superar a inércia e o medo que nos limitam.
«Mas é uma boa pergunta», replica Paulo, apelido Sereno, 37 anos, empresário do Porto, resposta pescada na margem da Rua do Ouro: «Penso no mesmo que penso quando saio do trabalho, paro o carro e me ponho a pescar: penso na vida». Na mesma margem, mas do outro lado, atira Fernando: «Nada, nada», repete o pescador portuense, 58 anos, barba branca rasa, marítimo desde os cinco. «A vantagem é essa: quando se pesca não se pensa em nada a não ser na ponta da cana. Acredite, faz maravilhas ao stress».
A partir de hoje e até ao próximo domingo, João Batista, o edil de Chaves, acolhe o 1.º Campeonato do Mundo de Veteranos, organização da Federação Portuguesa de Pesca Desportiva que leva ao Tâmega 35 atletas de alta competição de cinco países (Portugal, Itália, Inglaterra, França e Hungria) para um campeonato histórico. «Sim, é o primeiro para maiores de 60 anos e, por isso, ficará na história», avisa António Sandiares, presidente da federação, 63 anos, pescador desde os oito. «Na pesca, a vida esquece-se de nós. E nós só pensamos naquilo». E o que é aquilo? Sandiares arremessa sabedoria: «A pesca é o único desporto em que o atleta luta contra o imaginário. Já reparou? Joga-se na suposição, lança-se o engodo para o vazio, debruçamo-nos sobre o incerto. Não se sabe nunca o que lá está».
A partir de hoje, na pista de pesca de Chaves, no centro da cidade do Nordeste, 35 federados vão praticar esse exercício zen (e lançar-se ao barbo - mas também à boga, à carpa, à enguia, ao achigã e, com sorte, ao pimpão) e um deles sairá dali o melhor pescador veterano do mundo.
Misto de emulação desportiva e festim de camaradagem, dos seis dias da prova, só dois são de competição. «O resto é para aquilo que realmente interessa nesta actividade: convívio, histórias, memórias, aprendizagem, partilha», diz António Sandiares.
Com uma aposta clara na vertente turística e gastronómica - a Câmara de Chaves é o principal patrocinador da prova -, a ementa destes dias, curiosamente, não é nada daquilo que se pensa: o único prato de peixe incluído é o bacalhau; o resto recai tudo nos enchidos e fumados da rica região de Chaves. Esclareça-se quem não sabe: num campeonato de pesca, o pescado nunca se come, o peixe nunca morre - e volta sempre vivo ao rio.