A primeira central hidroelétrica portuguesa de serviço público, construída no século XIX, foi transformada num Museu de Arqueologia Industrial que abre ao público no domingo para divulgar a histórica local e atrair visitantes a Vila Real.

“É uma nova atração turística e é, no fundo, a recuperação do nosso passado coletivo”, afirmou hoje à agência Lusa o presidente da Câmara de Vila Real, Rui Santos.

Para além da musealização da antiga central hidroelétrica do Biel, o projeto de requalificação abrangeu toda a Quinta do Granjo, que se estende por dois hectares que descem da Meia Laranja ao rio Corgo, que atravessa “o coração” da cidade.

A descida à primeira central hidroelétrica portuguesa de serviço público, construída em 1894 na margem esquerda do rio, pode ser feita pelos caminhos lajeados que serpenteiam a encosta ou pelos passadiços que acompanham o leito do Corgo.

A rede de energia elétrica, inaugurada pela mão do empresário alemão, editor e fotógrafo Emílio Biel, é considerada “pioneira” em Portugal e alimentou a rede local de distribuição de eletricidade até 1926, e, em 1932, o edifício foi transformado numa fábrica de curtumes pelo industrial José Pires Granjo.

Granjo ampliou as instalações e aproveitou a força motriz da antiga central, preservando, assim, a maior parte dos mecanismos oitocentistas.

A fábrica funcionou até à década de 50 e, depois disso, as estruturas entraram num processo gradual de abandono que foi revertido a partir de 2017, com a classificação da Quinta do Granjo como conjunto de interesse municipal e a requalificação pelo município, que custou cerca de 2,8 milhões de euros e contou com o mecenato da Douro Gás e da Fundação EDP.

Vítor Nogueira, gestor cultural da autarquia, contou que a fábrica de curtumes permitiu “salvar todos os mecanismos e as estruturas da central original”. “Do ponto de vista histórico foi sorte”, defendeu.

A central foi desativada três décadas depois, tendo sido substituída por outra mais moderna.

O museu divide-se em dois edifícios, um junto ao rio, onde pode ser vista a sala das máquinas da central com peças como a turbina e respetivo poço com nove metros de altura ou um dínamo, e, depois, o espaço da fábrica com peças como um agitador, máquina de acamurçar e outra de amaciar, e um tambor de curtir.

“A mais antiga turbina hidroelétrica portuguesa, que ainda se conserva (…) É uma peça invulgar. A sala das máquinas e o poço da turbina reúnem peças que, quer pela sua dimensão, mas sobretudo pela sua antiguidade, não existem noutro ponto do país e só por isso têm uma importância fora do vulgar”, destacou.

Ali foi feita, segundo Vítor Nogueira, a musealização ‘in situ’, com a maquinaria no contexto em que estava originalmente, recorrendo a técnicas e materiais usados aquando da construção.

Num outro edifício anexo, já original da fábrica, foi instalado o centro interpretativo onde está a exposição permanente com ferramentas, utensílios, materiais elétricos, documentação, objetos do quotidiano, uma mó de moinho, fotografias antigas - desde a década de 1870 - e podem ser vistos, através do chão vidrado, os tanques de lavagens de peles.

“Aqui temos a história completa do espaço”, apontou.

Durante os trabalhos arqueológicos, foram inventariadas cerca de sete mil peças e fragmentos.

O canal do antigo funicular foi intervencionado e ali foi colocado o carril de um novo elevador monta-cargas, que tem capacidade para dois lugares e pode ser usado em caso de emergência. As antigas vagonetes foram conservadas.

No parque há um miradouro e percursos pedestres, podem ser observadas as escarpas, a cascata com um desnível natural de 25 metros e o poço do Agueirinho, bem como o canal de derivação de água.

“Construiu-se aqui uma central justamente para se poder aproveitar este desnível natural para produzir energia e para colocar com facilidade, a 200, 300 metros, nas primeiras ruas a luz que era produzida”, referiu Vítor Nogueira, apontando para a cidade, visível lá em acima.

Podem ainda ser observados vestígios de moinhos ancestrais, calçadas lajeadas, muros, socalcos tradicionais do Douro, minas de água e a ruína de uma casa anterior à central.

O autarca Rui Santos afirmou que este “é um espaço único a nível nacional”.

“Foi um projeto de muito difícil execução, muitos não acreditavam que era possível recuperar aquele espaço, mas direi que a partir de domingo o primeiro passo está dado com a abertura de portas e, a partir desse dia, o trabalho e a musealização de algumas das peças continuarão”, salientou.

*** Paula Lima (texto) da agência Lusa ***



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