A quantidade de pessoas que invade as ruas da aldeia de Podence, em Macedo de Cavaleiros, nestes dias de Entrudo Chocalheiro “é muita” o que “é bom para o negócio”, mas a tradição começa a diluir-se na multidão.
“Ficaram os fatos, a tradição mudou, os caretos agora são mais mansos, dantes eram mais bravos”, apontou à Lusa Beto do Rei, que desde pequeno vestiu o fato e a máscara dos Caretos transmontanos elevados a Património Imaterial da Humanidade.
Beto fez parte dos primeiros grupos que começaram este trabalho de reconhecimento, distinguindo Podence das restantes mascaradas do Natal e Carnaval por todo o Trás-os-Montes.
Integrou o grupo de “40 ou 50” caretos na primeira grande viagem internacional, em que chocalharem nas comemorações dos cinco anos da Disney Paris, no início da década de 1990.
Recordou esses tempos à Lusa com outro “careto” mais antigo, João Morais, que se queixa do alto dos “três vezes 25 anos mais um tantinho” de ter envelhecido cedo demais.
Não chegou a viajar, como agora acontece aos caretos, que “são contratados para ir ao estrangeiro” e ele “gostava de andar lá no meio”
“Antigamente, cada um saía à sua cabeça [fazia o que queria], agora está mais bem organizado”, considerou João Morais, observando, contudo, que “a quantidade de pessoas é muito grande".
“É melhor para o negócio”, observou, atalhado por Beto do Rei, para quem esta nova realidade “alterou” o espírito da tradição e o que ficou do Entrudo Chocalheiro foi “o fato”.
O garrido do amarelo, verde e vermelho dos fatos e das máscaras dos caretos sobressai na procissão de gente, rua abaixo, rua acima, nos acessórios que vão adquirindo, desde gorros, a cachecóis e mesmo casacos.
A cor é também constante na aldeia que se tornou conhecida além-fronteiras, nos murais e nas tascas e tabernas e expositores que preenchem também os quatro dias do “Entrudo mais genuíno de Portugal”, entre 26 de fevereiro e 01 de março.
O casal Ângela e Fernando viajaram do Porto até Podence, em Trás-os-Montes, para ver o Carnaval Património da Humanidade e aquilo a que assistem corresponde “às expectativas”.
Gostaram dos mascarados e das pinturas murais da aldeia, mas encontraram “muita gente” o que faz com que “acabe por transformar numa coisa turística” o tradicional Entrudo.
Ficou também o reparo às tascas e tabernas que servem gastronomia regional.
“Pareceu-me um aproveitamento, muito caro. Não lhes levo a mal, quem não quer, traz farnel”, afirmou Ângela.
Outros dois visitantes, David e Patrícia, viajaram de Viseu para observar o tradicional Entrudo de que ouviam “falar há muitos anos” e que conheciam apenas de fotos e vídeos.
Desde que foi elevado a Património da Humanidade, há pouco mais de dois anos, “criou mais expectativas” e gostaram “da parte da aldeia”, que “está bem decorada”.
Ficaram surpreendidos com a quantidade de pessoas que estava na aldeia, pois não esperavam tanta gente.
Nas ruas ouvem-se várias pronúncias portuguesas e estrangeiras, nomeadamente de emigrantes que fazem questão de ir à aldeia no Entrudo, religiosamente, como outros o fazem no mês de agosto.
Há cada vez mais pessoas a vestirem o fato de careto, um ritual que jovens como Tomás fazem desde sempre.
“Já nasci com esta vontade de chocalhar”, garantiu à Lusa, enquanto se preparava, com outros rapazes para chocalharem pelas ruas de Podence.
Põem e tiram as botas, calças, casaco, máscara e chocalhos à cintura, sem esquecer o pau de madeira em que se amparam para os saltos e algazarra, as vezes que for preciso.
“É rápido. Eu às vezes até durmo com ele”, brincou.
Tanto Tomás, como Hugo ou Sandro, encaram este ritual como “uma tradição importante” que querem que “nunca acabe”.
A massificação ou que o evento se torne numa peregrinação é o que não quer António Carneiro, presidente da Associação dos Caretos de Podence e o rosto do trabalho de décadas que transformou a aldeia e elevou o Entrudo Chocalheiro a Património Imaterial da Humanidade.
Neste sábado, juntaram-se aos menos de 200 habitantes da aldeia, cerca de 10 mil pessoas, que esgotaram os três parques de estacionamento preparados e ocuparam, sobretudo a rua principal da aldeia, por onde desfilam os caretos.
António Carneiro acredita que esta afluência “também tenha a ver com esta fase da covid, que as pessoas têm necessidade de vir, e os carnavais do litoral foram todos cancelados”.
A nível local, “é bom para a economia, não só de Podence, mas de toda a região, as unidades hoteleiras do concelho de Macedo de Cavaleiros, Bragança e Mirandela estão lotadas e também a parte da restauração”.
Para António Carneiro, “o que é importante aqui é manter a identidade do careto, que tem sido o papel da associação ao longo destes anos”, e o “selo” da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) “traz mais responsabilidade”, pelo que a intenção é encontrar soluções.
O primeiro passo poderá passar, como disse à Lusa, por “introduzir um preço de entrada idêntico ao que acontece noutros eventos que existem no país”.
Depois, são necessárias condições logísticas na aldeia, onde “não são as melhores para colocar o público mais afastado” por ser “pequena” e onde “tudo basicamente se passa na rua principal e na eira do Careto”.
O presidente da associação reitera que o município de Macedo de Cavaleiros “tem que apostar em Podence porque é o evento que traz mais gente ao território”.
Helena Fidalgo, da agência Lusa