A ponte de arame entre Monteiros, Vila Pouca de Aguiar, e Veral, Boticas, está submersa e a população lamenta que a ligação pedonal não tenha sido reposta apesar da barragem do Alto Tâmega estar quase em funcionamento.
Construída pelos moradores, a ponte de arame ligava as duas aldeias do distrito de Vila Real, ligava famílias, amigos e ligava proprietários aos seus terrenos.
Em outubro, a Iberdrola deu início ao enchimento da albufeira da barragem, inserida no Sistema Eletroprodutor do Tâmega, e, em pouco tempo, a ponte ficou submersa.
A empresa espanhola já anunciou o arranque da operação comercial da central hidroelétrica do Alto Tâmega até ao final de março.
João Videira, presidente da Junta de Freguesia de Bragado, que inclui Monteiros, admitiu que nunca pensou que se iria fechar a barragem sem retirar a ponte e sem a garantia de uma alternativa à população, e lamentou a indefinição à volta da reposição e o empurrar de responsabilidades entre a Iberdrola e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Na sua opinião, “foi uma ilegalidade a ponte ficar submersa”, até porque se trata de um património destes concelhos.
“As pessoas conseguiram fazer a passagem àquela data e, nos tempos de hoje, não se consegue repor o que elas fizeram. A Iberdrola tem essa obrigação e o projeto prevê que todas as passagens e todos os acessos às várias propriedades sejam repostos. O projeto obriga a isso. Ao não o fazerem estão a cometer uma ilegalidade, penso eu”, afirmou o autarca.
Desde o anúncio da construção da barragem que a população luta pela ponte. À sua reivindicação juntaram-se os autarcas dos dois concelhos.
Subscreveram petições, fizeram manifestações e a Iberdrola apresentou um anteprojeto para a travessia alternativa, no entanto, sem um compromisso por escrito que garantisse a nova ponte, os presidentes das câmaras avançaram com uma ação em tribunal (uma notificação judicial avulsa) para travar a retirada da estrutura existente.
A agência Lusa perguntou à Iberdrola se deixar a ponte submersa não representa um risco para a segurança no rio, se vai retirar a estrutura, quando e se prevê repor a travessia.
Em resposta a empresa apenas disse: “Sensível à situação, a Iberdrola mantém um diálogo contínuo e proativo com as câmaras, devidamente coordenado pela APA, o órgão licenciador do SET, com o objetivo de alcançar uma boa solução para todas as partes”.
A APA respondeu que, em reunião realizada em novembro, propôs aos municípios e à Iberdrola um “entendimento para definição dos princípios para o planeamento, financiamento, execução e gestão da solução de reposição de mobilidade com caráter definitivo entre as populações de Veral e de Monteiros”.
Na segunda-feira, acrescentou, foram recebidos elementos adicionais por parte da Iberdrola, os quais serão agora analisados pela Agência e objeto de articulação com os municípios.
“Não, não gosto da paisagem porque é triste. É triste. Quem aqui viveu toda a vida… e agora só vê água”, afirmou David Jesus, 82 anos, referindo-se à albufeira que transformou a paisagem naquela zona do Tâmega.
Nasceu e reside em Monteiros, mas também viveu em Veral. Para as águas do Tâmega perdeu terrenos e a ponte que atravessava regularmente a pé, e até mesmo de mota.
“Agora, se quisermos ir para a banda de lá só indo de carro”, frisou, realçando que são mais de 60 os quilómetros que separam, por estrada, as duas localidades.
Contou que demora uma “hora e vinte a chegar ao outro lado” porque o seu carro é dos pequenos, a estrada é estreita e não se pode ir depressa.
“A mim só me prejudicou, ficou lá tudo debaixo da água”, afirmou.
A mulher de David, Maria de Fátima, 77 anos, não se conforma. “Nós tínhamos uma passagem, não era boa, mas tínhamos passagem”, repetiu.
Depois de mais de 40 anos emigrado nos Estados Unidos, João Gonçalves, 67 anos, regressou a Monteiros e partilhou muitas memórias da ponte de arame que os bisavós ajudaram a construir e que atravessava regularmente para ir à missa a Veral, onde ainda tem familiares.
A Iberdrola disponibilizou um táxi para os moradores das duas aldeias. “Mas um táxi não nos interessa, a nós interessa-nos é a ponte”, frisou João Gonçalves.
Já o também ex-emigrante Alberto Sousa preferiu realçar o potencial turístico da nova paisagem. “Isto é espetacular”, frisou.
O SET é um complexo formado por três barragens e três centrais hidroelétricas: Alto Tâmega, Daivões e Gouvães, as quais já estão em funcionamento comercial desde 2022.