Quem o diz é Laurentino Esteves, deputado social-democrata pelo Círculo Fora da Europa entre 13 de Maio e 2 de Julho, altura em que substituiu o segundo elemento da lista do PSD por este círculo eleitoral, Eduardo Moreira. Em entrevista ao “O Emigrante/Mundo Português”, Laurentino Esteves, do Canadá, faz um balanço da sua passagem pela Assembleia da República e fala da realidade das comunidades portuguesas de Fora da Europa, numa conversa em que a palavra “injustiça” surge várias vezes...

Que balanço faz do tempo passado na Assembleia da República?
Em primeiro lugar, foi uma satisfação enorme, não só pessoal, mas em nome das Comunidades Portuguesas, particularmente das Comunidades do Círculo Eleitoral Fora da Europa, o facto de pela primeira vez poderem ver os seus deputados irem à Assembleia da República. Confesso que não tinha, e continuo a não ter, muita experiência parlamentar, no entanto, acho que esta primeira sessão foi importante porque se conseguiram marcar já alguns pontos de mérito e de benefício para as nossas Comunidades. Tivemos o privilégio de fazer alguns requerimentos, dos quais eu destacaria aquele que mais respeito diz a esta área, principalmente ao Canadá, a comunidade que eu conheço e na qual vivo há cerca de 16 anos, que é sobre a Lei da Nacionalidade. Esta lei é algo que não se compreende, se calhar é das aberrações maiores que ainda existem e não se consegue compreender como é que ainda continua. É uma lei que está realmente a dificultar muita gente, quer no Canadá, quer nos Estados Unidos, até no próprio Brasil, por isso fizemos este requerimento e espero que em breve possamos também dar essa boa notícia às nossas Comunidades, ou seja, que a nossa proposta vai para a frente. Aliás, esse tem sido o cavalo de batalha da Dr.ª Manuela Aguiar. Como se sabe, essa lei, também incompreensivelmente, não passou na última legislatura, não sei porquê, se calhar o PS não entendeu da mesma forma que os outros, mas é uma lei que não faz sentido e só quem vive e quem sente essas dificuldades cá fora é que pode perceber a magnitude que tal lei implica e como dificulta a vida de muitos portugueses, que influenciaram a nacionalidade portuguesa e que se viram na situação de não serem portugueses, que é uma coisa muito complicada.

Outro assunto sobre o qual se debruçou foi a rede consular...
Também fizemos um requerimento sobre a Lei Consular. Como sabe, o Sr. Secretário de Estado das Comunidades anunciou que possivelmente alguns consulados seriam encerrados na Europa, mas vimos com bom grado o facto de podermos vir a ter em breve serviços consulares no sudoeste de Ontário, embora ainda não saibamos em que formato é que isso vai acontecer. Estamos a falar de uma área que tem uma comunidade de cerca de 50 mil portugueses que se deslocam 500 ou 600km para irem ao consulado de Toronto, que é o mais próximo, e muitas vezes chegam lá, fazem bicha à porta às 6H da manhã e acabam por ir embora sem serem atendidos, o que é uma coisa muito chata.
O que neste momento já está a funcionar, e que não funcionou no passado, são as permanências consulares, ou seja, fazer deslocar funcionários consulares a estas comunidades para resolver os seus problemas in loco, desde bilhetes de identidade, passaportes, enfim, coisas simples que podem ser resolvidas sem que as pessoas tenham que deslocar-se essas distâncias tão grandes até ao consulado. O que nós requeremos é no sentido de, se possível, ser aberto um posto consular para o sudoeste de Ontário e outro para Kingston, uma cidade onde também há uma comunidade portuguesa enorme e que fica entre Toronto e a capital do Canadá, Otawa, também bastante distante e sem serviços consulares. Prometeram-nos permanências consulares até uma solução ser encontrada para esta realidade. O Sr. Secretário de Estado prometeu também olhar para esta situação e esperamos ter em breve uma solução também para esta área. Achamos que há aqui uma grande disparidade de distâncias e esperamos que se possa acudir a estas comunidades que se encontram mais distantes de Toronto. Fizemos também um requerimento sobre a RTP, mas acho que estes são os mais importantes para as comunidades do Norte de América.

Outro problema que afecta o Círculo Eleitoral Fora da Europa, em concreto o Canadá, é o ensino de Português. Quais são as principais preocupações da comunidade portuguesa aí radicada relativamente a esta questão?
As preocupações são enormes. Como deve calcular, a comunidade está a envelhecer, celebramos no próximo ano os 50 anos da chegada dos portugueses ao Canadá, e isso preocupa-me bastante porque a única forma que ainda existe do ensino de Português continuar as tradições e os costumes portugueses são as nossas organizações e algumas salas privadas que vão aparecendo. Achamos de uma injustiça enorme, aliás, foi esse o grande lema da nossa luta nesta área, o facto de Portugal nos últimos anos se voltar para a Europa e abandonou por completo este Círculo Eleitoral. Nos últimos anos não foram feitos esforços nenhuns para o ensino de Português no Norte da América, em concreto no Canadá. E todos os Governos que se têm sucedido em Portugal nunca tiveram a preocupação de analisar e perceber que o ensino de Português no Canadá é da responsabilidade dos Governos Provinciais e não do Governo Federal. Nunca houve uma aproximação séria nem um trabalho sério feito no sentido de abordarem e fazerem protocolos com os Governos Provinciais, porque esses sim, é que têm a jurisdição do Ensino. Portugal gasta neste momento na Europa cerca de oito milhões de contos em Ensino, onde nalguns países o Ensino está perfeitamente integrado, e não há nada para gastar neste Círculo eleitoral. Não se compreende também porque é que não há um esforço feito no sentido de, pelo menos, (e eu não digo que mandassem para cá tantos professores como existem na Europa), mas que houvesse pelo menos a preocupação de reciclar, de fazer cursos de formação para estes professores que aqui temos, que passam por muitas dificuldades, que muitas vezes dão aulas em escolas privadas, em casas particulares, que não oferecem nenhumas condições. Durante a campanha eleitoral visitámos algumas salas de aula e notámos que em algumas delas nem um mapa de Portugal existe. Portanto, ainda estamos nesta situação, que achamos de uma injustiça muito grande. Eu espero que agora, se a responsabilidade passar, como parece, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades, possamos de uma vez por todas olhar para essa disparidade e injustiça que temos por estes lados. E o ensino será, provavelmente, a única arma que temos para que os nossos jovens, as nossas crianças de agora, os nossos adolescentes, continuem a Língua e a Cultura portuguesas e as tradições portuguesas.

Acha então que as comunidades do Círculo Fora da Europa ficam um pouco esquecidas, remetidas para segundo plano?
Não acho, tenho a certeza! Eu compreendo que, sendo Portugal um país europeu, compreendo que haja esta preocupação e este sentimento europeu. Não consigo perceber é que nós - e refiro-me a todos os cidadãos Fora da Europa, por aquilo que sei, continuamos ainda neste abandono completo e acho que é altura de se ultrapassar essa situação. E refiro-me especialmente a países como a Venezuela, que atravessa problemas graves, a Argentina, com todo aquele problema político, a África do Sul, com os nossos compatriotas em situação de muito risco, é realmente de preocupar. Mas devo registar aqui o cuidado que o Sr. Secretário de Estado (das Comunidades) teve, logo que tomou posse, de visitar essas comunidades e mostrar que estamos atentos aos seus problemas. No entanto, é pena que Portugal nos últimos anos se tenha virado tanto para a Europa e se tenha esquecido destas comunidades ou deste Círculo Fora da Europa.

Isso seria ultrapassado se houvesse mais deputados pelo Círculo Fora da Europa ou pela Emigração, de uma forma geral?
Sim. É uma injustiça muito grande, nem faz muito sentido, como já foi até muito falado no passado, nós termos no Parlamento português mais de 220 deputados que representam cerca de dez ou 11 milhões de pessoas, e termos quatro deputados que representam 4,5 milhões de portugueses (residentes no estrangeiro), até aqui há também uma disparidade. Há aqueles que dizem que desses portugueses só uma minoria é que vota. É verdade, mas também é verdade que não há condições e Portugal nunca se interessou muito para que esses portugueses votassem e fossem vistos com o mesmo cuidado daqueles que moram em Portugal. É verdade que os portugueses na Emigração estão distantes das instituições, mudam de residência com muita facilidade e muita frequência, o que torna difícil um registo digno das pessoas, isso é verdade, mas também nunca houve um interesse ou uma preocupação em facilitar as pessoas, por exemplo, a participarem nos actos eleitorais. Até aqui podemos ver realmente esta grande injustiça e espero que também aqui se possa alterar alguma coisa.

Foi recentemente aprovada a alteração à Lei que criou o Conselho das Comunidades Portuguesas, concorda com todos os itens dessa nova Lei?
Há uma coisa que me preocupa, o facto de não haver um alargamento do universo eleitoral. Acho que ainda pecamos por esse aspecto, no entanto, há uma abertura maior, há uma responsabilidade maior, há o cuidado de dignificar o Conselho, que andava pelas ruas da amargura, e ainda anda, mas espero que em breve isso possa ser ultrapassado. A credibilidade tem sido muito pouca, as pessoas não acreditam no Conselho porque nunca o viram a funcionar. Era um Conselho que não aconselhava, não havia um papel desempenhado pelos conselheiros, não havia também, e é bom que se registe aqui, um respeito das próprias autoridades locais, embaixadas e cônsules, que passavam por cima dos conselheiros, nunca lhes deram o respeito necessário, enquanto membros de um órgão eleito em sufrágio universal. Espero que agora que se ultrapassou este dilema possam realizar-se em breve as eleições. Estou também contente pelo facto de haver uma abertura a países que nunca poderiam eleger nenhum conselheiro e neste momento podem. Compreendo que sejam comunidades mais remotas e mais pequenas, mas onde existem ainda algumas instituições fortes e há que premiar e dignificar essas comunidades, algumas delas longínquas, mas que também são portugueses e neste momento estavam um pouco esquecidos. Vejo também de bom grado o facto de não haver a disparidade que havia há alguns tempos atrás, com 60 por cento dos conselheiros atribuídos à Europa, a França por exemplo ficava com 40 conselheiros, uma coisa de injustiça enorme. Espero que haja um balanço e que se venha a conseguir duas coisas: dignificar o Conselho e fazê-lo funcionar, já que até agora não funcionou. Há muito trabalho a fazer nesse sentido e espero que, no mínimo, haja essa preocupação e vamos ver se o Conselho é para continuar.

Falou no alargamento do universo eleitoral, preferia que se baseasse nos cadernos eleitorais para as legislativas e para as presidenciais?
Não, eu queria que fosse a mesma filosofia que se usou na primeira eleição, ou seja, por estimativas dos consulados, porque neste momento, segundo me parece, há alguns países que vão ficar com menos conselheiros porque vão ser atribuídos por registos nos consulados e como sabe alguns desses registos não estão actualizados. Havia a ideia de que os consulados estariam todos informatizados e que seria tudo muito fácil, mas não é, e a prova está aí, os consulados não estão preparados. Em breve vamos constatar que os consulados vão andar aos atropelos porque não vão estar preparados para uma eleição. Quando digo um universo alargado é porque acho que o número de eleitores está reduzido e devia haver uma facilidade maior para as pessoas poderem votar. Há portugueses que demonstram o seu portuguesismo activo nas colectividades, mas muitos não estão registados nos consulados, nem estão registados nos cadernos eleitorais, ou seja, nem num registo, nem noutro, mas não deixam de ser portugueses, não deixam de ser membros activos da comunidade. Se não se inscrevem é porque mudaram de residência, ou porque estão muito longe do consulado, há uma série de inconveniências, e eu acho que a lei devia ser mais flexível nesse aspecto para abranger um maior número de portugueses e assim mostrar um universo eleitoral muito maior porque no fundo, quer os registos consulares, quer os cadernos eleitorais não são um registo dos números das nossas comunidades.

A nível pessoal, como foi a experiência no Parlamento?
Foi uma experiência importante, muito boa. Permita-me a franqueza, mas quando saí de Portugal saí à procura de uma vida melhor, neste caso, de uma vida económica melhor. Não tenho pai nem mãe, nessa altura tinha a meu cargo três irmãos e saí do país para conseguir sustentar a família e honestamente vim sem a mínima ideia de que um dia poderia voltar à Pátria, voltar a Portugal, para a Assembleia da República, o centro do poder institucional em Portugal. Nunca me passou pela ideia... Nessa perspectiva é realmente um privilégio, uma honra acima de tudo, poder estar na Assembleia e poder também partilhar e, no fundo, premiar as comunidades. Em todo o lado onde tenho ido, muito em particular aqui no Canadá onde visito as comunidades com muita frequência, tenho dito que a vitória não é minha, é uma vitória das comunidades e algo que gostaria é que Portugal não tenha mais vergonha dos seus emigrantes. Portugal não pode mais, não pode nem deve, ter vergonha dos seus emigrantes. Há este complexo em Portugal em relação aos emigrantes que deixaram a Pátria, alguns, como no meu caso, à procura de uma vida melhor. Portugal não pode mais nem deve ignorar os seus emigrantes, que hoje são pessoas integradas nas próprias comunidades onde vivem, são uma valia para Portugal. Acho que Portugal devia ver nos seus emigrantes um valor, até, porque não, de investimento em Portugal, de partilhar de ideias, experiências, e não mais esse complexo de saudosismo e da mala de cartão, que não existe. Portugal tem que ultrapassar isso. Neste momento há uma euforia muito grande, e eu notei isso quando aí estive, com a imigração e a emigração está um bocadinho esquecida. Hoje viaja-se com muita facilidade, morar em Paris, em Toronto ou em Trás-os-Montes é praticamente igual e Portugal tem, de uma vez por todas, de perder este complexo e ver os seus, os filhos de Portugal que moram cá por fora, vê-los com os mesmos olhos, com o mesmo afecto e com o mesmo sentimento do que aqueles que moram dentro do país.

Vamos voltar a vê-lo na Assembleia da República como deputado até final da legislatura?
Estou convencido que sim, estou em terceiro lugar na lista, só vou para Portugal em substituição de qualquer um dos deputados, quer do Dr. Eduardo Moreira, quer da Dr.a Manuela Aguiar. Há um género de acordo, todos nós contribuímos para esta campanha. Não sei ainda em que formalidade é que vou voltar, mas há um compromisso compreendido entre nós de fazermos rodar as pessoas, uma vez que todos nós contribuímos para esta equipa e mesmo não estando lá estamos a trabalhar em equipa, correspondemo-nos e estamos sempre a par das situações, mas estou convencido, espero que sim, que até ao fim da legislatura devo voltar a Portugal.



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